Antão e quê...?

O Palco

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Gabriel e Ricardo Antão

O Palco

 

O palco é sinónimo de aplausos mas também de ansiedade. Por vezes sentimo-nos muito confiantes, outras vezes nervosos. Mas porque existe uma tal disparidade de sensações quando subimos ao palco e, tão ou mais importante, nos momentos e dias que antecedem o concerto?

O nosso corpo e as nossas experiências, bem como as nossas expectativas, podem muito bem deitar por terra toda a nossa preparação. Desde ouvirmos o nosso coração a bater mais alto que os músicos à nossa volta, a tremuras nas mãos ou dificuldades em respirar, são tantos os sinais de nervosismo que já experienciámos que não os vamos listar todos. O mais desconcertante é que, apesar disso, seguimos com vontade de fazer música!

 

De facto, há esperança e pontos positivos no tema da ansiedade: existem alguns mecanismos que podem ajudar a minimizar os efeitos dos nervos e da ansiedade sobre a nossa performance. Por “mecanismos” entendemos algumas ideias que, ainda que não comprovadas cientificamente (em alguns casos), nos possam ajudar a sentir mais confiantes em palco. Para aqueles que acompanham as várias crónicas da Da Capo, certamente terão lido a rubrica de Bruno Borralhinho, que aborda este mesmo tema. No entanto, o nosso objetivo não passa por reforçar o que já foi tão claramente dito: antes gostaríamos de partilhar convosco alguns dos mecanismos que nos foram transmitidos ou que criámos para podermos superar os nossos níveis de ansiedade, para o caso de vos poderem ser úteis.

 

Não deixa de ser importante referir que muitos dos grandes músicos da atualidade confirmam que a ansiedade e o nervosismo não se dissipam com o passar dos anos. E se não acham que tal acontece, lembrem-se só dos jogos olímpicos deste verão, onde a atleta Simone Biles, com uma atitude altruísta, resolveu desistir da sua participação em várias competições, confessando dificuldades em lidar com a pressão. Estamos, portanto, todos no mesmo barco.

 

Quanto aos já falados mecanismos para minimizar o efeito da ansiedade, podemos procurar/encontrar soluções fora da área musical. Os músicos gostam de se comparar a desportistas de elite, mas talvez não levemos a nossa preparação da mesma forma que os primeiros. A verdade é que treinos por intervalos (fazendo os importantes descansos entre sessões de estudo) não são a única abordagem a retirar dos desportistas. Cada vez mais assistimos a universidades que recrutam preparadores/psicólogos de seleções nacionais de diversos desportos para seminários de preparação de alunos de música. Porquê? Porque a diferença na performance está também na maneira como nos preparamos, em especial a nível mental. Evidentemente que não é uma única sessão com um psicólogo que fará milagres, mas o interesse de um músico no seu desenvolvimento poderá levá-lo a conhecer-se melhor e a conseguir encontrar soluções até de forma autónoma. 

Outro mecanismo a ter em conta, é que podemos canalizar a ansiedade e a carga hormonal que esta situação nos gera para nos manter focados durante a performance. Entrar em palco é como entrar numa montanha-russa: sabemos que vamos ter emoções extremas e que vamos ter ansiedade ou mesmo medo durante o percurso, mas sabemos que, em ambos os casos, nenhum dano físico ocorrerá. Cabe-nos (até certo ponto) decidir se queremos passar o tempo amedrontados ou a viver a excitação do momento. No entanto, querer adotar este mecanismo não equivale automaticamente a resolver a questão (conseguir): é que esta procura é um processo empírico, que é único para cada indivíduo. Alguns de nós terão os seus rituais/exigências pré-concerto, outros preferem tornar o dia do concerto o mais normal possível. Somos todos diferentes e cada um tem o seu percurso individual a fazer no trilho da excelência. Não saber o que nos espera, ter um caminho único a percorrer, são das maiores aventuras que podemos ter na vida. 

 

Porém, numa era em que tudo é medido e previsto, nem todos terão a ousadia de partir à descoberta. Para aqueles que gostam de aventuras, o caminho da descoberta e do aperfeiçoamento da performance em palco poderá ser uma experiência verdadeiramente gratificante.

 

Ao refletirmos sobre este tópico, chegámos à rápida conclusão de que nunca estamos isentos de ansiedade em palco, independentemente do grau de preparação. Mais frequentemente do que desejaríamos, temos que lidar com elevados níveis de ansiedade, a qual se manifesta das mais variadas formas. Umas vezes com mais, outras com menos sucesso.

 

Como intérpretes de música Clássica/erudita, e deixando por momentos de parte o campo da improvisação, entendemos a nossa performance como planeada de antemão (até um grau muito elevado). Sabemos o que vamos tocar, em que ordem, com quem, em que condições, etc. Evidentemente alguma liberdade musical será tomada (veja-se a nossa crónica anterior), mas em grande parte é algo planeado ou previsto. E como em tantas outras situações, também aqui podemos buscar outras áreas de inspiração. Pensando noutros intérpretes, posso (Gabriel) ver a performance como a de um ator em palco. Sabemos que temos uma relação com o público, que temos uma mensagem a passar e que devemos ser expressivos no processo. Se nos imaginarmos nesse papel, sabemos que as nossas intervenções têm um momento no tempo, que são antecedidas por algum estímulo (fala ou motivo musical), pelo que se tivermos todo o programa memorizado como um todo, só necessitaremos de tocar segundo um estímulo, tal como quando aprendíamos as canções da nossa infância. Parece algo muito simples, e realmente é. O único problema é o investimento que precisamos de fazer no estudo do programa e de garantir que o temos dominado, de tal maneira que não precisamos de nos guiar pela notação gráfica (a qual, já agora, podemos associar a erros quando vemos uma passagem difícil e, assim, gerar ansiedade). Na nossa experiência, reagir a estímulos pode ser algo mais natural, aos quais o corpo pode responder mais naturalmente numa situação de stress. [1]

 

A grande lição que aprendemos até aqui, é que não conseguimos controlar as variáveis que influenciam a nossa performance em palco. É necessário não só uma boa preparação, que não nos deixe duvidar das capacidades, mas também um conhecimento profundo de nós mesmos, do modo como reagimos. Acreditamos que a ansiedade advém de fatores que não conseguimos controlar, por isso devemos tentar manter o controlo sobre a nossa reação aos mesmos: tocar “a frio” (sem preparação) ou mesmo com a boca seca, são situações que podem ser simuladas e praticadas, bem como experimentar tocar com temperaturas diferentes daquelas às quais estamos habituados (como no pico do verão), ou simular a audição/concerto às horas para os quais estão previstos. E para que a preparação seja mais eficaz, acreditamos que esta deve ser complementada pelo estudo mental. Passar tempo no estudo da partitura, longe do instrumento, é provavelmente a forma mais eficaz de preparar uma obra. Começar sem maus hábitos, com consciência prévia do que se quer obter de uma obra, e trabalhando de forma focada, este tipo de estudo permite-nos economizar tempo a longo prazo, poupar desgaste físico a curto prazo e, mais importante, ter uma ideia clara de toda a estrutura da obra que nos propomos a preparar. Desta forma, conhecer a obra de memória e reagir aos seus estímulos será uma tarefa bem mais natural e fácil.

 

Outro mecanismo pode passar por assegurar que nos preparamos para ser fisicamente o mais eficientes possível. Não nos referimos somente a ter bons hábitos de alimentação e sono, ou a fazer uma exigente preparação física, mas sim procurar as posturas mais eficazes que nos aportem mais confiança e que nos permitam uma respiração mais profunda e relaxada. Ainda que este mecanismo, denominado de “power posing”, possa ser algo contestado ou controverso, poderá ainda assim ser de interesse para alguns músicos.

 

Tal como cada indivíduo é único, também será a sua relação com o palco. Relatámos até aqui algumas ferramentas que, cientificamente comprovadas ou não, temos experimentado ao longo dos anos, e que nos são de grande utilidade. Gostaríamos acima de tudo de frisar que estas linhas não ignoram a possibilidade de existirem traumas ou medos maiores em palco, e que sempre que necessário, a ajuda profissional deve ser procurada. Esperamos que estas linhas possam ter feito eco em alguns dos leitores, e que possam partilhar algumas das vossas experiências.

 

P.S.: Devemos lembrar-nos que um ouvinte não está preocupado com as nossas falhas, quer aproveitar o tempo que dedicou a um concerto para ser inspirado musicalmente, claramente não quer/lhe interessa que os músicos estejam nervosos.

 

 

[1] A TedTalk de Amy Cuddy sobre Power Posing: https://www.youtube.com/watch?v=Ks-_Mh1QhMc&t=1s

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