Antão e quê...?

Era da (des)informação?

 — 

Gabriel e Ricardo Antão

Era da (des)informação?

 

I think we risk becoming the best-informed society that has ever died of ignorance.¹

Ruben Blades 

 

Se antes a dificuldade residia no acesso à informação, agora o desafio encontra-se na sua filtragem e seleção. Numa era em que estamos rodeados de ferramentas que nos permitem aceder a informação (telemóveis, computadores, tablets, televisões, rádios, entre outros), e especialmente neste tempo de pandemia onde estamos ainda mais longamente ligados à tecnologia, acreditamos ser importante refletir sobre esta questão, que traz consigo vários riscos, mas também uma variedade de possibilidades. Estas reflexões poderiam ser feitas sobre quase qualquer tópico, mas tentaremos cingilas à área musical.

 

O acesso à informação é de vital importância, pois permite aumentar o nosso conhecimento e ter novas ideias, através da combinação de diferentes dados. Então, se temos acesso a informação aparentemente ilimitada, qual será o problema? 

 

Na verdade, devemos considerar alguns desafios. O primeiro, atualmente, não passa por aceder à informação, mas sim por saber (e conseguir) filtrá-la, conseguindo encontrar conteúdo fidedigno no grande manancial existente. Não será necessário debruçarmonos muito sobre este ponto, pois já é corrente a expressão “fake news”, assim como as suas implicações.

 

Ainda assim, mantém-se como essencial a capacidade de seleção, visto que é fácil sermos enganados por informação aparentemente “fiável” mas que, na verdade, não passa de um logro. Nesta categoria podemos incluir a grande miríade de conteúdos que encontramos nas redes sociais, e que por vezes se apresentam como algo de revolucionário. Também a Adriana Ferreira escreveu sobre isto, na sua crónica Novos tempos, novos “ídolos”.

 

Normalmente, estes conteúdos aparecem revestidos de uma apresentação muito apelativa, o que torna o seu marketing muito convincente e parecem sustentar a sua validade. Para contornar isto, o primeiro passo é ter um espírito crítico e atento, isto é, fazer uma reflexão sobre o conteúdo e se é algo logicamente sustentado: se for algo que contradiga os princípios basilares da performance musical, é pouco provável que seja algo fidedigno. Como por exemplo um inovador método para dominar um instrumento em poucas semanas, ao invés dos anos de estudo que são necessários.

 

Também aqui entra o conselho de professores e colegas que, por já terem experiência na procura de estratégias que ajudem ao nosso crescimento, podem aconselhar-nos na nossa procura, pois já filtraram algumas hipóteses e testaram outras, muitas vezes ao longo de vários anos. De uma forma positiva, pode-se até aprofundar o debate e o diálogo sobre a informação encontrada.

 

Mas os desafios não terminam com esta filtragem. Após este exercício de seleção, ainda nos deparamos com uma grande quantidade de informação de qualidade (e ainda bem!). É sem dúvida entusiasmante ter ao dispor um conjunto tão grande de iniciativas e boas práticas, mas acreditamos que há um risco à espreita, que é a possível sobrecarga e perda de interesse.

 

No início podemos desanimar: afinal, há tanto por explorar e tão pouco tempo! Depois de explorarmos algumas possibilidades, podemos também perder a motivação. Com tantas iniciativas similares, podemos ficar saturados e deixamos de acompanhar as novidades. Para contrariar isto, a nossa sugestão é uma boa dose de disciplina e moderação. Tentar ser seletivos com os conteúdos que procuramos, e não tentar absorver tudo sobre esse tema de uma assentada: a informação está facilmente disponível, por isso não é necessária urgência.

 

A situação é análoga à do estudo do instrumento: é melhor que seja distribuído e continuado, do que condensado e exagerado. Em vez de ouvirmos um Podcast inteiro de uma assentada, porque não ir saboreando aos poucos, e quem sabe até usar como forma de inspiração quando a motivação para estudar não abunda? 

 

Esta urgência leva-nos à terceira vertente do problema, que é talvez a mais perniciosa: a falta de tempo e oportunidade para parar, refletir e reestruturar o nosso pensamento. Cada vez mais somos bombardeados com a ideia de que, se não estivermos a fazer alguma coisa, estamos “a perder terreno na corrida por uma carreira”, ou que não estamos a ser produtivos e a fazer tudo o que podíamos.

 

No entanto, é importante ter tempo para, simplesmente, respirar e refletir. E isto é tão válido para crianças² como para adultos. Podemos ter uma excelente capacidade para absorver informação, mas para a transformar em conhecimento é necessária uma reflexão sobre o que foi aprendido. Para isso, precisamos de tempo e concentração, duas coisas que nos são sistematicamente roubadas com a presença e o uso quase universal da tecnologia (como este aparelho que estão a utilizar. As deliciosas ironias da vida).

 

O problema do tempo é facilmente verificado: quantas vezes demos por nós a passar demasiado tempo no Youtube, Facebook, Instagram, ou outra aplicação? E assim deixamos de ter tempo para as outras tarefas ou atividades que tínhamos planeado? É preciso disciplina para conseguir superar o aliciante destas ferramentas, pois elas estão desenhadas precisamente para nos cativar a atenção e passarmos o máximo de tempo nelas.

 

O segundo problema, o da concentração, não é tão diretamente mensurável, mas é igualmente inferido. Se estamos constantemente a ser interrompidos ou distraídos, não conseguimos manter a concentração, e o nosso trabalho não terá a mesma qualidade. E isto reflete-se tanto na nossa capacidade de reflexão como na nossa memória.

 

Quase que vos ouvimos dizer: “Mas se a informação está sempre disponível, será que a memória é assim tão importante?” A verdade é que sim. Se o conhecimento acontece quando combinamos pedaços de informação, temos de conseguir “pegar” (conceptualmente) nessa informação e recombiná-la na nossa mente, e sem memória isso não acontece. Até na mitologia grega encontramos a relação entre memória e criatividade: Mnemosyne (da qual deriva o vocábulo mnemónica) era a deusa da memória, e a mãe das musas. Deixamos ainda uma referência a um artigo de opinião de Daniel Kilov (2014)³ , que defende que a memória pode e deve ser incentivada na atualidade. Assim, não convém descurar a necessidade de ter tempo para refletir, pois só assim poderemos crescer e compreender melhor toda a informação que temos disponível.

 

Como dizia Clifford Stoll (1999): Há uma diferença entre ter acesso a informação e ter o entendimento necessário para interpretá-la.* Não acreditamos, nem por um instante, que vivemos piores tempos, nem tampouco estamos a vaticinar um futuro negro. É absolutamente maravilhoso termos tanta informação disponível, e podermos aprender tanto. Queremos, isso sim, advertir para alguns riscos que são inerentes à novidade, mas que com atenção podem ser evitados.

Aproveitem as oportunidades, e desfrutem da viagem!

 

Ricardo e Gabriel Antão

 

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¹ "Not everyone enthusiastic about the future of TV". Bangor Daily News, February 18, 1993.

² https://www.melbournechildpsychology.com.au/blog/the-benefits-of-boredom/

³ https://danielkilov.com/2014/07/08/misunderstanding-memory-in-the-classroom/

* Clifford Stoll (1999). “High-tech Heretic: Why Computers Don't Belong in the Classroom and Other Reflections by a Computer Contrarian”, Doubleday Books

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