Sandra Bastos
Uma das clarinetistas portuguesas mais destacadas da sua geração, Iva Barbosa ganhou, em 2016, o lugar de 1º Solista Auxiliar da Orquestra Gulbenkian. É também diretora pedagógica e professora na Escola Profissional Metropolitana, e membro fundador do Quarteto Vintage.
Laureada em vários concursos nacionais e internacionais, começou os seus estudos musicais em casa, com o seu pai, aos oito anos de idade. Os seus irmãos, Telmo e Flávio Barbosa, são também músicos de valor reconhecido. Prosseguiu os estudos no Conservatório de Música do Porto e na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto, nas classes dos professores, Adam Wierzba e António Saiote, respetivamente – ambos marcaram profundamente a sua formação.
Da Capo (DC) – Como nasceu a tua paixão pela música?
Iva Barbosa (IB) – Começou em casa com o meu pai que é músico amador. Comecei a aprender em casa com oito anos.
DC - E como surgiu o Clarinete?
IB – Foi uma coincidência! Depois de começar com o meu pai, comecei a frequentar aulas de solfejo com o Sr. Felisberto na Banda de Matosinhos (nessa época a banda estava sem atividade,). Havia uma requinta disponível, e como o filho dele é clarinetista comecei a aprender com ele, e tive o privilégio de ter aulas de instrumento em casa.
DC – Quando é que a música se tornou mais séria?
IB – A música foi sempre encarada de forma séria. Desde os 8 anos que ganhei o hábito de estudar todos os dias. No entanto só a encarei como opção de vida aos 18 anos. Cheguei a frequentar o curso de Comunicação Social na Universidade do Minho.
DC – Qual foi o papel do teu pai?
IB – Ouvir, desde pequenina, o meu pai a tocar teve influência em nós os três. (somos três irmãos músicos). O que ele mais nos deu foi o gosto, o rigor e a disciplina – todos os dias tínhamos de tocar. Apesar de ser músico amador, ele tocava todos os dias depois do trabalho. Foi um excelente músico filarmónico, gostava muito de música e preparavase diariamente para os ensaios.
DC – E hoje, de que forma vos apoia?
IB – Hoje acompanha-nos e assiste aos nossos concertos sempre que pode e apoia-nos nas nossas decisões.
DC – Estudaste com vários professores. De tudo o que foste aprendendo, que ensinamentos guardas e passas hoje aos teus alunos?
IB – O professor Adam Wierzba foi meu professor durante nove anos no Conservatório de Música do Porto. É uma pessoa muito importante para mim, pois viu-me crescer e criámos uma relação muito forte. O professor Adam acompanhou-me numa época de grandes transformações, da infância até à adolescência. Ele teve sempre a capacidade de perceber cada fase pela qual estava a passar e adaptar-se, mas sem perder a exigência. Foi ótimo para fazer todo o trabalho técnico inicial porque era muito rigoroso. Noutra fase, já na adolescência, ensinou-me que um músico deve ser curioso e criativo.
Depois tive o professor António Saiote na ESMAE. O professor Saiote foi fundamental para me tornar profissional. A sua exigência fez com que eu me dedicasse seriamente ao clarinete e o tomasse como opção profissional. Uma das coisas mais importantes que aprendi e desenvolvi foram métodos de estudo e a optimizar a forma de estudar. Ainda hoje uso esses métodos de estudo, não só para mim mas também para os meus alunos.
O ritmo de trabalho na ESMAE era muito rápido, por isso aprendi a desenvolver ao máximo a minha capacidade de trabalho. Eu estava habituada ao ritmo do liceu com as disciplinas normais como Português, Latim, Alemão, etc, e estudava clarinete nas horas livres. Quando cheguei à ESMAE foi um choque porque, de repente, tinha o dia todo para estudar, mas também muitas coisas para aprender. Foi aí que me dediquei seriamente ao Clarinete.
Os dois têm estilos completamente diferentes e deram-me ensinamentos também diferentes, que se complementaram. Em comum, ambos são professores muito dedicados, exigentes e com personalidade forte. Estou muito grata aos dois por ter tido a oportunidade de aprender com eles.
DC – Não houve nenhum momento, neste anos todos, em que te arrependesses de ter optado pela Música?
IB – Não, arrepender não. Faço o que gosto! Há momentos mais difíceis, mas nunca tive períodos sem trabalho ou concertos. Isso tem-me dado confiança na opção que tomei. Um caminho constrói-se com muito trabalho e eu sempre trabalhei muito.
DC - Até que ponto os concursos são fundamentais para o crescimento de um músico?
IB – Acho que é pessoal. Os concursos podem ser muito importantes mas não fundamentais. Todo o trabalho que um concurso exige é importante para a motivação e desenvolvimento pessoal, independentemente do resultado. Claro que ganhar prémios é ótimo! Na minha opinião, ter objetivos definidos é fundamental, e os concursos podem ser um excelente objetivo. Mas repito que é pessoal, pois a carreira de músico vive da performance, e saber lidar com o sucesso ou o fracasso é um trabalho difícil.
DC – Como te defines como professora?
IB – Sou dedicada e muito rigorosa, e tento respeitar ao máximo a individualidade dos alunos. Numa aula digo exatamente o que penso e tento partilhar e ensinar tudo o que sei. Aprendo muito com todos os alunos e isso ajuda-me a melhorar enquanto professora.
DC - Quando vês um aluno a ser laureado num concurso, como já tem acontecido, o que sentes enquanto professora?
IB – Sinto orgulho! Tenho sempre orgulho nos meus alunos, sobretudo quando percebo que eles se esforçam ao máximo. Quando eles ganham prémios é um reconhecimento do trabalho de equipa! Como disse anteriormente, os concursos podem ser objetivos muito importantes no percurso dos alunos, mas temos que aceitar que nem toda a gente vai ser solista, ganhar concursos, porque na música há dezenas de possibilidades. Um bom professor também tem que ser capaz de explorar todas as possibilidades. Temos que saber que não podem ir todos pelo mesmo caminho e saber direcionar os alunos para as diferentes vertentes da Música. Portugal não tem mercado para responder a tantos bons músicos.
DC – Mesmo na formação de público, ainda há muito a fazer...
IB – Há muito a fazer na educação. No caso da música, investiu-se no ensino da música, mas centrado na aprendizagem de um instrumento musical, e já foi um grande avanço no país! Pessoalmente, acredito mais no ensino através da arte desde a idade pré-escolar, e aqui ainda há muito trabalho a fazer.
DC – És diretora pedagógica da Escola Profissional Metropolitana. Que marca tentas deixar na tua direção pedagógica?
IB – Este tipo de escola tem de ter uma organização muito própria. Os alunos passam todo o dia na escola, onde fazem a sua formação geral, mas uma carga horária muito grande de disciplinas da vertente artística. Nós tentamos aliviar isso, criando, de alguma forma, tempos livres, outras possibilidades que não sejam só a escola.
A EPM tem uma particularidade que enriquece muito o percurso dos alunos, que é estar inserida no projeto da Metropolitana. Assim, permite que os nossos alunos tenham contacto diário com todo o projeto - 3 escolas e 1 orquestra profissional, a OML. Tentamos também que eles tenham o máximo de concertos pedagogicamente possíveis fora da escola e em boas salas de concerto. Só assim podem desenvolver ao máximo as suas potencialidades enquanto músicos e instrumentistas.
O nosso lema é que a escola existe para os alunos. Pensamos sempre em conjunto com os professores no sentido do bem-estar dos alunos, quer a nível pedagógico, quer a nível pessoal. Queremos que sejam felizes a tocar.
DC - Também estás a gostar daquilo que estás a fazer? Como concilias tudo: a Orquestra Gulbenkian, a direção pedagógica, as aulas, estudar e tocar a solo e em orquestra, música de câmara, o Quarteto Vintage e a família?
IB – Estou a gostar muito daquilo que estou a fazer. Abdico de muitas coisas mas não abdico do fundamental: estudar, estar com a minha família o máximo de tempo possível e ter momentos de lazer. Tento ter projetos fora da orquestra e faço alguma música de câmara. Toco com o Quarteto Vintage há quase 16 anos e para o grupo tenho sempre tempo reservado.
Durante o ano surgem também convites para masterclasses e concertos e tenho que coordenar tudo com a Orquestra e a escola. Conciliar tudo é difícil, mas com organização é possível.
DC - Onde te sentes mais realizada?
IB – Dedico-me a tudo a cem por cento, por isso estou realizada. Adoro dar aulas e pensar no caminho pedagógico da EPM, mas obviamente que quando toco estou a realizar aquilo para o qual trabalhei a vida toda. Adoro tocar na Orquestra e fazer música de câmara e espero fazê-lo durante o tempo que puder tocar clarinete.
DC - Notas mudanças ao nível da qualidade dos alunos?
IB – Sim. A massificação do ensino trouxe mais qualidade!
DC – Qual o ponto-chave que desencadeou esta mudança?
IB – Acho que o surgimento das escolas profissionais de música, nos finais dos anos 80, foi o ponto de partida.
DC – O que achas desta nova geração que tem como prioridade estudar e tentar a sorte no estrangeiro?
IB – Acho que devem fazê-lo se sentirem essa necessidade e vontade.
DC – Mas é necessário emigrar para conseguirem trabalhar?
IB – Depende. Se o objetivo for tocar numa orquestra, se calhar têm de tentar também no estrangeiro, pois as nossas orquestras não conseguem dar resposta a tanta gente. Não acredito que emigrar seja a única solução. Os jovens têm que ser empreendedores no seu país, no entanto, percebo a realidade atual, e sem dúvida que tentar encontrar soluções fora do país é o caminho cada vez mais escolhido. A direção cultural do país tem que ser mudada, porque vamos continuar sem mercado para tantos bons músicos.
DC – Temos teatros, público, músicos...
IB – Sim, temos. É necessário repensar a forma como o dinheiro é distribuído. Temos todos os recursos em Portugal, mas é necessário saber usá-los e potenciá-los.
DC – Um sonho que queiras realizar...
IB – Não tenho sonhos como objetivos. Faço o que gosto e continuar feliz é um sonho!
DC – A pergunta cliché que todos te querem fazer: como te sentiste ao ganhar o lugar de solista na Gulbenkian?
IB – Muito feliz, obviamente! Foi um objetivo que persegui e sinto-me muito realizada por o ter alcançado.
DC – Como está a ser esta tua nova etapa? Já tens momentos que possas destacar e partilhar connosco?
IB – Está a ser ótima. Gosto muito de tocar na orquestra e do ambiente de trabalho. É um privilégio poder fazer parte da Orquestra Gulbenkian, e trabalhar na Fundação. Temos ótimas condições de trabalho e faço todos os dias o que gosto: tocar!
DC – Como ficam os teus outros projetos?
IB – Continuam a funcionar .Tenho que organizar bem a agenda e com muito tempo de antecedência, mas é possível!