Alto e Para o Baile

Sobre o (final do) culto do génio: o estudo.

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Adriana Ferreira e Francisca Bastos

Sobre o (final do) culto do génio: o estudo.


Verifico actualmente um fenómeno um pouco estranho.

Há vinte anos atrás, quando comecei a estudar flauta, o estudo diário do próprio instrumento era algo muito valorizado e fomentado nas várias realidades em que vivi.
Quando ingressei pela primeira vez numa orquestra, senti que era importantíssimo para todos preservar parte do seu tempo livre diário para uma dedicação ao seu instrumento. O mesmo se aplica a qualquer músico, nas várias vertentes da sua arte.

 

Hoje em dia, verifico nalguns alunos, pares, um certo complexo de superioridade mascarado na aparente falta de necessidade de estudo para atingir um resultado mais do que fantástico. Músicos incríveis, reprovando a necessidade dos comuns mortais se dedicarem tanto à prática do seu instrumento, quando na realidade, eles próprios, iluminados por tanto talento, não necessitam de tamanha dedicação para brilharem inequivocamente na sua arte.

 

Pois bem. Essa aparente (falta de) necessidade, ouve-se...

 

Queria reforçar apenas o facto de, havendo ou não um maior ou menor talento (poderíamos passar horas definindo o que é o talento, se existe, como é, se se desenvolve, etc.), o estudo é essencial. Não aprecio ver vários jovens amedrontados pela aparente falta de estudo de tantas “estrelas”, achando que, se tanto necessitam de estudar, é porque provavelmente não têm “talento” nem futuro. Desenganem-se: quem aparentemente é tão iluminado, tem mais probabilidades de um futuro incerto, precipitado, curto. Basta observarem à vossa volta.

 

Creio que nos conservatórios e escolas de música, o fomento da prática individual é uma constante; é apenas na vida profissional que eu, pessoalmente, verifico tal fenómeno. Creio que muitos de nós fomos educados musicalmente de uma forma que muito valoriza o esforço e trabalho individual e, por isso mesmo, não nos vejo amedrontados por isto.


Espero que o mesmo seja uma constante para as gerações futuras. Não hesitem em afirmá-lo no vosso dia-a-dia e aos vossos pares. O estudo vale a pena.

 

Adriana Ferreira

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