Antão e quê...?

Música: para quem?

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Gabriel e Ricardo Antão

  • Ricardo e Gabriel Antão

Música: para quem?

 

Temos falado de vários aspetos da música, e também de alguns elementos essenciais para a sua criação. Desta vez o nosso foco é outro, mas não menos essencial para a arte: o público. Se já falámos dos músicos e da música, faltava-nos falar do último elemento que perfaz essa magnífica trindade.

 

Na nossa primeira crónica (que podem reler aqui) mencionámos os vaticínios frequentes quanto à morte da música clássica, enraizados na premissa de um público decrescente. Apesar de não partilharmos esse pessimismo, podemos usar esse agoiro como impulso para uma reflexão importante sobre a relação entre a música e o público; afinal, podemos ver os avisos que nos são dados, e agir antes que se tornem realidade.

Saindo um pouco da realidade portuguesa, encontramos um exemplo que poderá servir de aviso a essa funesta possibilidade: falamos do caso da orquestra de Filadélfia que, devido à sua burocrática forma de funcionamento, replicava o mesmo tipo de atividade em cada temporada, pela subordinação às preferências de um grupo de mecenas que financiava a orquestra; eventualmente, este grupo acabou por falecer, o que deixou a orquestra na peculiar situação em que não estava habituada a programar música contemporânea, por exemplo, nem tinha criado uma ligação à comunidade onde se inseria. ¹

 

Assim, temos um exemplo bem claro que, apesar de não concordarmos que a música clássica esteja a morrer, também não podemos dar o público como garantido. Defendemos, aliás, que podem (e devem) ser tomadas medidas e decisões que incitem o público a envolver-se com a música clássica, e que o façam sentir “em casa” nos concertos. Afinal, um dos traços muito elogiados dos portugueses é saber receber, e o mesmo pode ser aplicado à música.

E também há ótimos exemplos, e para manter o equilíbrio com o exemplo anterior, damos outro do mesmo país: as inovações que estão a ser encetadas por Esa-Pekka Salonen e a San Francisco Symphony. Na sua primeira temporada como diretor musical, o conceituado maestro e compositor finlandês criou um grupo de colaboradores de diferentes áreas, para dinamizar de forma original o trabalho da orquestra, e neste grupo está incluída uma especialista em inteligência artificial e robótica, Carol Reiley. ²

 

Também em Portugal se fazem iniciativas que aproveitam a tecnologia para aproximar o público, como por exemplo o Serviço Digitópia da Casa da Música. Mas há outras formas de aproximar o público, e de o fomentar. Até porque, para aderirem ao tipo de iniciativas que referimos, é necessário que haja algum contacto e abertura para a música. Para isso, as associações/coletividades podem ter um papel determinante, ao abrir as portas para esse vasto universo da música, e por manterem as pessoas em contacto com a arte.

Podemos ver o exemplo do desporto: além de um investimento avultado pelos benefícios para a saúde, o tecido desportivo português continua rico pelo trabalho das diferentes associações desportivas, que além de instigarem a prática de exercício, se tornam um dos pilares da vida dos seus membros, fomentando a comunidade e uma forma de estar que inclui o desporto no quotidiano, seja através da prática ou pelo assistir a eventos desportivos. Também na música (e noutras artes) estas associações desempenham um papel fulcral, sendo muitas vezes o impulso para a participação ativa, o que por sua vez permite formar um público que irá assistir a eventos culturais.

 

No entanto, devido à crise pandémica, muitas associações se viram privadas das suas atividades habituais, o que prejudicou o seu funcionamento e pode ameaçar a sua subsistência. Num país com um investimento cultural ainda insuficiente, acreditamos que é essencial incentivar os produtores de cultura e as associações, pois só assim poderemos criar um público culto e interessado, que valorize e explore a arte.

 

Porque fazer música é bom, mas partilhá-la com o público é fantástico.

 

¹ Arian, E. (1971). Bach, Beethoven, and Bureaucracy: The Case of the Philadelphia Orchestra. The University of Alabama Press.

² https://www.sfsymphony.org/About-SFS/Collaborative-Partners

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