Carla Caramujo

“A ópera é um universo fascinante, o mais completo dos espectáculos”

Sandra Bastos

Parte em Agosto para a Argentina, onde vai estar mais de um mês com concertos em Buenos Aires, La Plata e Córdoba, com a Orquestra de Câmara de Córdoba, a Orquestra do teatro de La Plata, Ensemble de los Buenos Aires e ainda com o pianista Argentino Tomas Ballicora. Uma digressão que surge como resultado do sucesso dos concertos que fez no ano passado na Argentina e Uruguai.

Em Setembro, retoma o projecto das árias de concerto de Mozart com a Companhia Nacional de Bailado (CNB). Ainda este ano vai gravar a obra integral para voz e piano de António Fragoso, com o pianista João Paulo Santos, um disco a sair no próximo ano.

Para a próxima temporada (2014/2015), já tem agendadas uma ópera contemporânea, uma ópera do período clássico, duas oratórias e vários concertos, a anunciar em breve.

A soprano Carla Caramujo revela-nos os segredos do sucesso, da voz que, mais do que os olhos, é o espelho da alma. Uma alma feliz e plenamente realizada.

 

“A ópera é um universo fascinante, o mais completo dos espectáculos”

 

Foi na “descoberta pessoal de algo interior e sublime, quase transcendente, e que mais se aproxima de um estado de alma”, que Carla Caramujo se apaixonou pelo canto. “Do ponto de vista artístico, o canto está associado a formas de arte perfeitas como a música evidentemente, mas também à literatura, escultura e pintura como fontes de inspiração, e ao teatro sendo a ópera o seu expoente máximo. A ópera é um universo fascinante, a combinação perfeita de diversos universos artísticos, o mais completo dos espetáculos, a verdadeira experiência de catarse. Poder dar voz a todos estes elementos artísticos é muito enriquecedor e revelador”, explica.

Ainda a descobrir estão “muitos sonhos, inúmeros papéis para interpretar e muita música. É esse o maior encanto desta profissão”. E também poder repetir alguns papéis como a Gilda do  Rigoletto de Verdi: “Gilda é certamente um dos papéis da minha vida e guardarei para sempre na memória a minha estreia nesse papel em 2007 no Teatro Nacional de S. Carlos. Estou certa de que aparecerão outras Gildas na minha vida”.

 

“redomas e egos gigantescos” que podem ser evitados

 

A vida de uma cantora, por sua vez, é feita de “muitas dificuldades, muitas escolhas difíceis e as compensações chegam tarde”. Carla Caramujo confirma que “todos os cantores, músicos, artistas em geral, passam por fases de obsessão pelo trabalho, pelo perfeccionismo da sua arte e isso tolda-lhes a visão da realidade e influi desastrosamente nas suas vidas pessoais”. Felizmente, nunca abdicou dos que ama, de ter uma família e uma vida pessoal dita normal, embora tenha vivido períodos de afastamento: “não pertenço ao grupo que escolhe viver indefinidamente de e para a arte, em solidão, alheados à realidade, longe dos afectos mais simples e por isso, inconscientemente, construindo redomas e egos gigantescos….é muito fácil raiar esse limite, ultrapassá-lo e nunca mais regressar”.

 

“A maior compensação é, sem dúvida, voltar para casa e ter sorrisos à minha espera”

 

É possível o equilíbrio entre “viagens, estudo, aulas, ensaios, família, sonhos e emoções e encontrar a felicidade algures pelo meio”. Até porque é da própria felicidade que se alimenta a voz: “Mais do que os olhos ela, sim, a VOZ, é o espelho da alma! Hoje sinto que atingi essa felicidade simples que atravessa a alma e que chega aos outros através da minha voz”.

Dos outros procura apenas “o reconhecimento necessário” para poder continuar a trabalhar com qualidade: “Cada projecto tem tido um sabor único e irrepetível e o intercâmbio artístico-cultural desta profissão é uma verdadeira bênção. É inquestionável a alegria e a sensação de libertação quando agradeço no final de um espectáculo e recebo o aplauso e carinho do público, mesmo já fora do palco”.

 “Mas a maior compensação é, sem dúvida, voltar para casa e ter sorrisos à minha espera”, sublinha.

 

O apoio incondicional da “família incrível”

 

Os sorrisos que a esperam em casa são do filho e do marido, a sua “família incrível”. Tem, assim, a preocupação de “causar o mínimo de instabilidade possível” e aproveitar todos os tempos livres com a família: “Se sobrar um bocadinho de tempo, devoro livros e faço longas caminhadas!”.

Uma gestão familiar a par de uma organização inteligente da sua carreira parece ser o segredo da soprano: “Organizo-me em função de cada novo projecto que aparece e em função das suas especificidades musicais e vocais. Tenho a vantagem da experiência, neste momento”.

 

“sinto uma grande honra em ser convidada para interpretar música de compositores portugueses”

 

“Cada palco, cada público, a interação com cada colega, maestro, orquestras, é uma experiência única impossível de repetir (excepto em casos de reposição integral) e não depende apenas do enquadramento cultural, social e geográfico, depende sobretudo das qualidades humanas e profissionais das pessoas envolvidas em cada projecto”, diz.

E se o projecto envolver música portuguesa, mais especial é a experiência: “sinto uma grande honra em ser convidada para interpretar música de compositores portugueses, e vejo nisso uma oportunidade em conhecer melhor a minha cultura musical erudita e ao, mesmo tempo, contribuir para divulgação dos nossos compositores do passado e do presente. O meu maior desejo é contribuir para a sua perpetuação no futuro”.

 

“Gosto de pensar que estas canções [António Fragoso] estavam à minha espera”

 

Em português, estreou em absoluto o papel de Salomé em “O Sonho” de Pedro Amaral com a London Sinfonietta em Londres The Place e na Fundação Gulbenkian. Foi solista no Requiem Inês de Castro de Pedro Camacho e em “Lua”, canção de uma morte de Nuno Côrte-Real.

E é também em português que vai gravar a obra integral para voz e piano de António Fragoso, com o pianista João Paulo Santos. Um projecto que lhe é “muito querido porque reúne o sentimento de descoberta em muitos sentidos. A descoberta das canções em primeiro lugar, belíssimas, de excelente qualidade do ponto de vista da composição e originalidade, algumas nunca ouvidas e outras mesmo inéditas, de um compositor que, não fosse a morte levá-lo aos 21 anos teria, provavelmente, seguido as pisadas de Debussy”.

“Este projecto leva-me à descoberta das minhas raízes também, pois dá-se a feliz coincidência de eu ter nascido na mesma cidade que António Fragoso, Cantanhede, onde actualmente reside a Associação António Fragoso, principais promotores e impulsionadores deste projecto. (A associação tem como objectivo perpetuar e divulgar a obra do compositor). Adoro a ideia de ter crescido a correr pelos mesmos campos e ter percorrido as mesmas ruas e caminhos que o António Fragoso, quase um século depois! Gosto de pensar que estas canções estavam à minha espera!!!”, confessa.

 

Mozart com os Divino Sospiro e a Companhia Nacional de Bailado

 

Em Abril e Maio esteve em palco com a Orquestra Divino Sospiro, sob a direcção de Massimo Mazzeo, e com a Companhia Nacional de Bailado, direcção da coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker. O programa dedicado a Arias de Mozart vai ser repetido em Setembro.

“A dança eleva as árias de concerto de Mozart, já por si belíssimas e perfeitas obras de arte, a um outro patamar artístico. É uma experiência única, sublime e tento fruir cada momento que estou em palco. Os bailarinos da CNB são extremamente talentosos e sensíveis à música, é muito bom partilhar o palco com eles. Do ponto de vista estritamente musical, o facto de estarmos a trabalhar com orquestra barroca, afinação a 430HZ permite uma transparência incrível das harmonias. Os músicos do Divino Sospiro são muito competentes e muito atentos às necessidades das cantoras e bailarinos. Contamos com a perfeição de João Paulo Santos ao pianoforte e o Massimo Mazzeo foi sempre um maestro muito disponível e sensível às diferentes necessidades e visões artísticas dos vários intervenientes em palco. Neste momento, somos toda uma grande família que não precisa falar sequer para se entender!”, explica.

 

“Somos todos vozes isoladas a lutar por oportunidades e, muitas vezes preteridos por cantores estrangeiros com pior formação e menor experiência”

 

Carla Caramujo admite que os cantores portugueses sofrem, “sobretudo pelo facto de Portugal não ter uma tradição de canto lírico nem possuir um mercado capaz de lhes dar trabalho com regularidade enquanto profissionais como qualquer outro”.

Um problema explicado na falta de “mecanismos nas entidades públicas reguladoras do sector cultural que apoiem os cantores, os ajudem a progredir e a internacionalizar”. Tem havido uma evolução positiva graças a “alguns apoios pontuais, alguns grupos e orquestras a tentar fazer a diferença”.

Mas é preciso muito mais: “Somos todos vozes isoladas a lutar por oportunidades e, muitas vezes preteridos por cantores estrangeiros com pior formação e menor experiência”. A crise pode ter ajudado a contratação de mais intérpretes portugueses, mas Carla não quer acreditar que seja apenas por isso, mas sobretudo pela consciência “das pessoas excepcionalmente talentosas e com grande formação que neste momento existem em Portugal”.

 

 

Carla Caramujo

 

É licenciada (BMus hons) e mestre (MMus distinction) em Canto/Performance e Ópera pelas Guildhall School of Music and Drama (Londres) e Royal Scottisch Academy of Music and Drama (Glasgow), tendo integrado o elenco da Alexander Gibson Opera School em colaboração com a Scottish Opera / Royal Theatre of Glasgow. Carla é ainda Scholar da prestigiosa Fundação Samling no Reino Unido e teve como professores, entre outros, António Salgado, Laura Sarti, Patricia MacMahon e Christa Ludwig.

Vencedora do Concurso Nacional Luísa Todi, Chevron Excellence Award, Dewar Award e Ye Cronies Award no Reino Unido e Musikförderpreis der Hans-Sachs-Loge em Nuremberga, Carla Caramujo abarca um vasto repertório desde o Barroco até à produção contemporânea: La Contessa di Folleville Il viaggio a Reims Rossini, Adele Die Fledermaus J.Strauss, D. Anna Don Giovanni Mozart, Gilda Rigoletto Verdi, Sandmannchen e taumannchen Hänsel und Gretel de Humperdinck e Lisette La Rondine G.Puccini (Teatro Nacional de S.Carlos, Lisboa), Adina L’Elisir d’Amore Donizetti (Teatro da Trindade), Violetta La Traviata Verdi (Festival de Sintra), Valetto L’Incoronazione di Poppea Monteverdi (Traverse Theatre, Edimburgo), Armida Rinaldo Händel (Festival Theater, Edimburgo), Rainha da Noite A Flauta Mágica Mozart (Trinity Theatre, Kent), Fiordiligi Cosi fan Tutte Mozart (Teatro Rivoli, Porto), Madame Herz Die Schauspieldirektor Mozart (Teatro das Figuras entre outros), Frasquita Carmen de Bizet (Teatro Communale di Bologna), Fatta Azzurra La Bela Dormente nel Bosco de Respighi (Casa das Artes, Famalicão), Controller Flight de J. Dove (New Atheneum Theatre, Glasgow), Nena Lo frate Nnamorato Pergolesi, Vespina La Spinalba F. A. de Almeida, 2nd Woman e 2nd Witch Dido & Aeneas Purcell (CCB, Festival Are-more de Vigo e Gulbenkian respectivamente).

Estreou em absoluto o papel de Salomé em O Sonho de Pedro Amaral com a London Sinfonietta em Londres The Place e na Fundação Gulbenkian.

As suas interpretações têm merecido elogios da crítica internacional.  

Colaborou com a Orquestra de Estugarda, Croydon Symphony Orchestra, Cambridge Orchestra, Scottish Opera, Royal Liverpool Philharmonic, Ensemble Barroco de Amesterdão, Músicos do Tejo, Orquestra de Câmara de Xalapa (México), Orquestras do Algarve, do Norte, Clássica da Madeira, Metropolitana, Nacional do Porto e Sinfónica Portuguesa em obras do grande repertório coral-sinfónico tais como Sinfonia nº9 de Beethoven, Messias de Händel, Requiem de Brahms, Missas em Dó m e da Coroação de Mozart, Gloria de Poulenc, Paixão segundo S. João de Bach, Elias e Paulus de Mendelssohn, Carmina Burana de C. Orff, várias missas de Haydn, árias de concerto de Mozart, Cap al meu silenci de Salvador Pueyo, Requiem Inês de Castro de Pedro Camacho e ainda, Lua, canção de uma morte de Nuno Côrte-Real, tendo-se apresentado nas principais salas de concerto de Nuremberga, Heidelberg, Newcastle, Londres, Norfolk, Glasgow, Buenos Aires, Montevideo, Porto e Lisboa e nos Festivais de Aveiro, Sintra, Coimbra, Edimburgo e Mérida (México).

Apresentou-se sob a batuta de Giovanni Andreoli, Yin – Chen Lin, Pedro Amaral, José Luís Chan, José Miguel Esandi, Cesário Costa, Christian Curnyn, Darrel Davison, Timothy Dean, Osvaldo Ferreira, Julia Jones, Moritz Gnann, Juliàn Lombana, Marcos Magalhães, Rui Massena, Artur Pinho Maria, Cornelius Meister, Alexander Polianitchko, António Saiote, Johannes Stert, Marc Tardue, Javier Viceiro, Laurent Wagner e João Paulo Santos, com quem se apresenta regularmente em recitais.

Em 2008 participou na série documental gravada para RTP Percursos da Música Portuguesa com um concerto realizado no Teatro Nacional de S. Carlos, onde se estreou em 2007 ao lado de Vesselina Kasarova.

Recentemente cantou a integral das canções de Mozart nas principais salas do Uruguai e Argentina, tendo participado no X Festival de Música Clásica de Esteban Echeverria, Buenos Aires, e no SODRE de Montevideo, com transmissão em directo na Radio Classica 650 AM do Uruguai.

 

http://www.carlacaramujo.com/

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