Filipa Nunes ganha lugar na Ópera de Zurique

“devemos sempre lutar por aquilo que consideramos que é correto, mesmo que isso signifique irmos contra a maré”

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Sandra Bastos

  • Filipa Nunes
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Filipa Nunes, 25 anos, ganhou recentemente o concurso para o lugar de clarinete-baixo na Orquestra da Ópera de Zurique. Após passar as fases eliminatórias, encontrou-se na final com o seu professor de clarinete-baixo. 

“A orquestra decidiu-se por mim por uma questão de gosto, achando que o meu som se integraria melhor com a Orquestra da Ópera de Zurique. Tenho muita sorte por ter um professor como o Marcos, com quem aprendi e aprendo tanto! Foi muito bom fazer a audição com ele, porque nos fomos apoiando ronda após ronda”, explica Filipa Nunes.  Um sonho que não esperava realizar: “Desde sempre que ouvi a Ópera de Zurique, pois esta orquestra tem um prestígio mundial fantástico e está cheia de músicos fora de série. Este trabalho é o melhor presente que a vida me podia oferecer”.

 

A Da Capo esteve em Zurique com a jovem clarinetista que contou os segredos que tornaram esta conquista possível:  Para aqui chegar, trabalhei muito. Trabalhei com muitos músicos, sobretudo de outros instrumentos sem ser clarinete, o que me ajudou a ganhar uma percepção totalmente diferente e muito mais ampla da nossa maneira de fazer música, dos nossos pontos fortes e das nossas limitações.

 

 

"tenho a sensação que há cada vez mais para aprender e aperfeiçoar"

 

Um dos meus (muitos) hobbies é tocar obras solo escritas para outros instrumentos, quer seja de sopro ou de cordas. O segundo passo é tocar essa obra para um/a amigo/a que toque o instrumento em questão e ouvir o que essa pessoa tem para me dizer. Neste caso, já não falamos de técnica clarinetística como acontece cada vez que tocamos para o comum clarinetista, mas sim de música e fraseados. O que é engraçado, é que com os anos, tenho a sensação que há cada vez mais para aprender e aperfeiçoar.

 

Para trás ficaram momentos e professores marcantes como José António Sousa, Robert Bramley, Etienne Lamaison, Nuno Silva e François Benda. “Deixo aqui uma mensagem de gratidão a todos os meus professores de clarinete porque todos ofereceram o melhor de si. Esta mensagem extende-se aos pianistas acompanhadores Aniko Harangi, Alexei Eremin, Elina Gotsuliak…”

 

Filipa começou a estudar Música na Madeira, sua terra natal, seguindo depois para Lisboa, onde se licenciou na Academia Nacional Superior de Orquestra. Na Hochschule fur Musik Basel, na Suíça, já completou um mestrado e está quase a terminar o segundo. “O que se nota à primeira vista é que em Basel há mais liberdade de escolha em termos de disciplinas. Podemos ter aulas, por exemplo, de instrumentos opcionais (requinta/clarinete baixo) com pessoas neles especializadas e que fazem deles a sua profissão.

Podemos também ter aulas de Técnica Alexander, Cénica, Teatro Musical, Improvisação, Movimento, Taketina, danças barrocas, problemas físicos associados aos músicos e como os resolver. Também há especializações em música contemporânea, música antiga, direcção de orquestra, enfim, possibilidades que não parecem terminar e que são muito enriquecedoras. Durante a minha licenciatura, em Portugal (na altura era assim, agora não sei), não havia nenhuma disciplina de opção e toda a gente acabava por fazer as mesmas coisas”, assinala.

 

 

"Há oportunidades para podermos pagar os nossos estudos através de concursos para bolsas de estudo"

 

Além disso, a própria universidade de Basileia tem as suas especificidades: “gosto muito da maneira de trabalhar na Hochschule Basel. Os professores são excelentes, as instalações e as facilidades de estudo individual também. Há boas salas, com bons pianos afinados. Há muito rigor, mas ao mesmo tempo liberdade de escolha. Há oportunidades para podermos pagar os nossos estudos através de concursos para bolsas de estudo aos quais concorrem todos os instrumentos e são dadas três ou quatro bolsas para as melhores provas”.

 

As diferenças da cultura suíça em relação à portuguesa são muitas, a começar pelo referendo em relação à música, em que foi democraticamente decidido que a música é um direito do cidadão e por isso é ensinada em todas as escolas, desde a primária à universidade. “Tenho um exemplo prático que ajuda a esclarecer algumas diferenças. Eu trabalhei um ano para a Hochschule fur Musik Basel. Tinha de ajudar a montar o palco antes e durante os concertos, fazer publicidade aos concertos, distribuindo panfletos e colando cartazes na cidade, vender bilhetes e cds e… recolher dinheiro no final dos concertos. Em troca, fiquei isenta de propinas”, salienta.

 

Na Suíça, “sabe-se que a vida em termos financeiros para alguém que não tenha um trabalho é insustentável. Então o que os Professores da Hochschule decidiram foi arranjar um sistema que ajudasse os alunos em dificuldades. Assim, há um concerto com um solista de renome internacional, ou dos próprios professores da universidade e está alguém na porta no final do concerto com um cesto (neste último ano era, como referi, uma das minhas funções) e todas as pessoas externas à escola deixam lá dinheiro. Esse dinheiro é usado para proporcionar bolsas de estudos aos alunos. Há até pessoas que todos os meses doam um valor x do seu salário para que no final do ano haja mais possibilidades de dar bolsas. Há uma grande preocupação em que todos os estudantes que provem ter mérito consigam realizar os seus estudos”.

 

 

“devemos sempre lutar por aquilo que consideramos que é correto, mesmo que isso signifique irmos contra a maré”

 

Por outro lado, quase todas as pessoas que vivem em Basel tocam piccolo devido à tradição do Carnaval. Com efeito, quase todas as crianças acabam por tocar um instrumento musical nem que seja por curto tempo, o que ajuda “a criar ouvintes, o que é muito importante”.

Segundo Filipa Nunes, “no mundo da música, tal como no restante, há com frequência situações muito injustas. Infelizmente estas não têm nada a ver com fazer música ou não, tocar bem ou tocar mal. Todos nós que estudámos música nos deparámos com essas realidades”. É fundamental não desistir: “devemos sempre lutar por aquilo que consideramos que é correto, mesmo que isso signifique irmos contra a maré”.

 

 

"A música é algo que exige muita dedicação"

 

Para os jovens músicos deixa alguns conselhos: “A música é algo que exige muita dedicação. É essencial apostar numa boa formação, não só técnica, mas também humana. Disciplina, trabalho e respeito são valores que integro no meu dia-a-dia. A todos os músicos só desejo que compreendam que a música (e tudo o resto) se faz melhor com muito trabalho e um sorriso. Boa sorte!”

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