Sandra Bastos
Marina Pacheco estudou com Pedro Telles (Maiorff), José de Oliveira Lopes (ESMAE), António Salgado e Sofia Serra (UCP). Em 2010/2011, integrou o Vlamsee Operastudio (Gent, Bélgica). Foi bolseira do Santander, do Programa Leonardo da Vinci e da Robus Foundation. Apresenta-se regularmente em concerto em Portugal e no estrangeiro e tem o acompanhamento profissional do maestro Marc Tardue. Interpretou mais de dez papéis em ópera e foi solista em diversas obras de oratória. Em música de câmara, apresenta-se frequentemente em recital com a pianista Olga Amaro.
Dos prémios já conquistados destacam-se o 1º lugar no Prémio Jovens Músicos RTP/Antena 2, na categoria de canto, nível superior (Portugal, 2012), o Prémio Vladislava Starkova no Pustina - Concurso Internacional de Canto (Rep. Checa, 2012), o 2º Prémio e Prémio Melhor Interpretação Canção Portuguesa no 5º Concurso de Canto Lírico da Fundação Rotária Portuguesa (Portugal, 2011) e o Prémio para Finalista mais Jovem no 3º Concurso Luciano Neroni (Itália, 2009).
Em 2010, lançou o disco "João Arroyo: obra integral para canto e piano” com a pianista Joana David. O seu segundo disco “Canções de Lemúria” foi lançado no mês passado e conta com obras de compositores portugueses, compostas para o duo Marina Pacheco & Olga Amaro.
A Da Capo foi conhecer a jovem cantora, que nos falou dos seus projectos e relembrou os momentos mais marcantes da sua carreira.
Da Capo (DC) - O que fez apaixonar-se pelo canto?
Marina Pacheco (MP) - Desde pequena que me lembro de gostar de música e de cantar. Os meus pais apostaram sempre numa formação completa e, nesse sentido, proporcionaram-me diferentes actividades que me permitiram desenvolver competências. O canto esteve sempre presente. Cantava nos infantários, em Lisboa e depois na Maia, sendo admitida, aos cinco anos, no coro de Pequenos Cantores da Maia. O Maestro Vítor Dias gostou da minha voz e chegou a dar-me solos. Um deles levou-me ao Programa Zecchino D’oro, em Itália, em 1994, para o qual fui escolhida pela RTP para representar Portugal. Sempre presente como um complemento lúdico, o canto só começou a entrar na minha vida de forma mais séria por volta dos 13 anos quando, após insistência dos amigos, a minha mãe se rendeu e procurou uma escola onde eu pudesse ter aulas de canto. Foi assim que conhecemos a Escola de Música Maiorff, na Maia, e o barítono Pedro Telles, meu primeiro professor e hoje grande amigo pessoal.
O Pedro é o responsável pela minha escolha profissional como cantora lírica. Desafiou-me e eu simplesmente deixei-me fascinar, não só pela beleza das peças que me colocava à frente para eu estudar, mas pela exigência que, desde cedo, me apercebi ser inerente a esta opção. Gosto de desafios!
"procuro pessoas capazes de me dizer o que está mal e que não se percam apenas em elogios"
DC - Que critérios estiveram na base das escolhas que fez, escolas, concursos, professores, etc?
MP - A escolha da primeira escola de música prendeu-se com o facto de ser uma escola na Maia, onde vivia, e por nos terem sido dadas, a mim e à minha família, boas referências em relação à mesma. De resto, foi um compromisso de confiança, pois não venho de uma família de músicos, logo não era possível aos meus pais avaliarem a qualidade e rigor da educação musical que a escola oferecia. Foi uma bela aposta. É uma instituição que continua a dar frutos e que conta com o profissionalismo de grandes músicos no seu corpo docente.
A partir daí, conhecendo o Pedro Telles, criámos uma relação de confiança e segui os seus conselhos convicta de que não poderia estar em melhor mãos. E de outra forma não poderia ter sido. Foi ele que me orientou na escolha da Escola Superior à qual me candidatei – Escola Superior de Música Artes e Espectáculo (ESMAE) – e do Professor com quem trabalhei – o barítono José de Oliveira Lopes.
Numa escola de excelência como a ESMAE, com tantos alunos a desenvolver carreiras internacionais de relevo, aprendi rapidamente a definir os critérios que me levariam às opções que tenho vindo a tomar.
Procuro sempre trabalhar com os melhores professores. Procuro seres humanos genuínos que fazem música, primordialmente, pelo amor à música. Procuro pessoas capazes de me dizer o que está mal e que não se percam apenas em elogios. É importante manter os pés assentes na terra. Procuro instituições que me ofereçam uma formação de excelência centrada na voz, mas também noutras áreas que me permitam ser uma artista completa, capaz de passar emoções e de tocar a plateia.
Já em relação a concursos, tento reger-me por princípios de qualidade. Sinto que poderá ser feita uma avaliação mais justa quando estou perante um júri idóneo, consciente das especificidades do canto e da vida artística de um cantor. Um júri humano, que perceba que um cantor nem sempre está a 100% e que uma nota pode não sair tão perfeita, mas ser emocionante na mesma. A voz está dentro de nós e é um espelho daquilo que somos e vivemos.
Participo em concursos também para aprender, ouvir o que de melhor se faz pelo mundo fora e para estar a par da realidade competitiva desta carreira. Contudo, o princípio dos concursos em si não me fascina: a competição; provar quem é melhor. Na realidade não acredito que isso seja sequer possível. Para além da subjetividade das apreciações inerente aos gostos individuais, não me parece sequer humano pedir a um grupo de jurados que escolha 20 cantores de entre mais de 300 numa primeira eliminatória, como já vi em alguns concursos. Naturalmente, acredito, por vezes, no factor sorte.
"O amor ao palco que me faz sentir incompleta quando fico algum tempo sem o pisar, leva-me a vivenciar cada concerto de modo único"
DC - Quais os momentos mais marcantes da sua carreira?
MP - Costumo dizer que todos os momentos têm um sabor especial. O amor ao palco que me faz sentir incompleta quando fico algum tempo sem o pisar, leva-me a vivenciar cada concerto de modo único. Claro que há espaços mais emblemáticos, companheiros de palco mais carismáticos, públicos mais efusivos ou, simplesmente, dias em que nos sentimos melhor... No entanto, é mágico poder fazer o que sempre sonhei.
Na minha carreira há vários momentos marcantes. Convites inesperados, palavras elogiosas de músicos que admiro, reacções expressivas por parte do público...
E por referir o público, lembro-me perfeitamente de um dia ter acabado um concerto e uma senhora magra, com ar frágil, e sem cabelo, de mão dada com uma menina (que percebi, mais tarde, ser sua filha) me vir dar um abraço e dizer “Obrigada!”. Foi, sem dúvida, o agradecimento mais profundo que recebi até hoje. O olhar dela foi único e senti genuinamente que estava a cumprir a minha missão como cantora e ser humano. Aquela senhora estava em fase terminal, vítima de cancro, e veio agradecer-me por lhe ter proporcionado um momento musical que a fez sorrir e emocionar-se... Senti-me realizada!
DC - Quais os concertos e os palcos que mais lhe marcaram?
MP - Confesso que o concerto no qual me estreei na Casa da Música foi muito especial! O convite surgiu sem eu estar à espera e numa altura em que estava a braços com uma produção em Lisboa. Por sorte, a data que me foi proposta era uma das que eu tinha livre e o concerto não podia ser mais emblemático: o concerto de Natal da Casa da Música. Apesar de me ter preparado bem e de o ensaio ter corrido de forma tranquila e muito satisfatória, fiquei doente no preciso dia do concerto, o que me levou a ponderar seriamente se me apresentaria em palco ou não nessa noite. Decidi, tendo em conta o repertório e a duração da intervenção, que arriscaria a cantar, com uma tristeza imensa por estar bastante doente na minha estreia naquele palco. Cantei com a alma! Sem dúvida que nessa noite foi o melhor de mim.
Emocionante foi também o Concerto Final do Prémio Jovens Músicos 2012. Cantar sob a direcção da fantástica Joana Carneiro e com a Orquestra Gulbenkian, que muito admiro, foi uma honra e uma sensação de realização pessoal enorme. O público foi calorosíssimo e as palavras que ouvi foram muito gratificantes.
Teria imensos outros concertos para referir, inclusivamente fora do país, onde sempre fui tão bem recebida e me senti em casa.
DC - Quais os colegas que o marcaram mais? Poderia contar alguma pequena história/passagem com algum deles?
MP - Sou por natureza uma pessoa que gosta de aprender e acredito que se absorve muito trabalhando em palco com outros cantores e/ou instrumentistas. Lembro-me de me divertir imenso em palco em concertos com o barítono José de Oliveira Lopes. Infelizmente, já não está cá para reviver esses momentos, mas foi divertidíssimo contracenar com aquele que foi o meu professor de licenciatura.
Estou neste momento a partilhar o palco com uma soprano inglesa, Frances M Lynch, que me deu a conhecer o outro mundo do canto, o da música contemporânea. Senti que cresci imenso musical e tecnicamente com esta produção, para além de ter criado laços de amizade únicos. Estamos em digressão pela Europa com a ópera “A Laugh to Cry” de Miguel Azguime que nos juntou em palco.
Tantos outros colegas, amigos, companheiros de arte me fizeram rir e emocionar! As peripécias dos ensaios são memoráveis... Uma deixa no momento errado, uma nota mal dada, um ataque de riso ou um olhar cúmplice preenchem de magia esta profissão.
Há momentos que se não são partilhados perdem o valor e há situações cómicas que nos deixam embaraçados, mas animados. Foi o caso do press rehearsal (ensaio aberto à imprensa) da ópera “Paris e Helena” de C. W. Gluck, no Teatro São Luiz. O ensaio decorria normalmente quando, numa cena onde eu estava sentada num banco de piano velho (propositadamente velho, devo dizer) com todo o elenco em palco num momento belíssimo de movimentação corporal (criado pela coreógrafa Clara Andermatt), surge o acorde que dava entrada musical à minha colega e em que eu me levantava do banco. Nesse preciso momento, o banco partiu e eu caí estatelada no chão. Pois bem, ensaio aberto à imprensa… Ninguém pára! E ninguém parou! Não podíamos olhar uns para os outros tal era a dificuldade em controlar o riso. Conseguimos levar o ensaio até ao fim com direito a muitas gargalhadas em bastidores.
Dias mais tarde, numa entrevista, o jornalista, para meter conversa comigo e deixar-me mais à vontade, disse “Ah! É verdade, estive naquele ensaio no S. Luiz onde aquela desgraçada caiu do banco!”... O que dizer?! “A desgraçada era eu!”. Rio imenso cada vez que me recordo desta situação... E há tantas outras assim que preenchem as nossas memórias de palco!
"faço questão de estar em contacto com as pessoas que me escrevem"
DC - Projectos para breve?
MP - Tenho vários projectos para breve. Aliás, essa informação está sempre actualizada no meu website www.marinapacheco.com e na minha página oficial do Facebook (www.facebook.com/marinapachecosoprano), onde faço questão de estar em contacto com as pessoas que me escrevem e partilham comigo as suas críticas, que muito agradeço.
Para além de estar em digressão pela Europa com a ópera “A Laugh to Cry” de Miguel Azguime, com apresentações na Polónia e na Suécia, continuo com o projecto Marina Pacheco & Olga Amaro, tendo concertos variados agendados. Também com a pianista Olga Amaro lancei recentemente o disco “Canções de Lemúria”.
DC - Tem algum compositor ou obra preferida?
MP - Não consigo eleger um compositor ou obra. Já pensei nisso muitas vezes, mas é-me impossível escolher. A escrita musical, o conteúdo literário ou o contexto de determinada peça podem torná-la especial e incomparável e isso acontece com imenso repertório que interpreto.
"faço o que mais gosto e sinto-me privilegiada por isso"
DC - Quais as renúncias que teve de fazer para se entregar à música? Teve de abdicar da vida pessoal? E as compensações?
MP - A vida pessoal passou bastante para segundo plano. Tenho o tempo muito contado e, por isso, muitas vezes as oportunidades de estar com a família e os amigos são poucas. No entanto, são vividas intensamente. Tenho procurado um equilíbrio ainda que se torne complicado gerir tempo de estudo, com horas de ensaios e concertos. Claro, sem esquecer as deslocações e o tempo que estou fora do país.
As compensações são várias. Faço o que mais gosto e sinto-me privilegiada por isso. Descobri que tenho os melhores amigos do mundo, pois entendem-me, apoiam-me e torcem por mim. E recebo um apoio incondicional por parte da minha família que está sempre lá nos momentos duros e que comemora comigo nos momentos felizes.
Durante as viagens posso descobrir o mundo e conhecer culturas e pessoas diferentes. Tenho amigos para a vida em vários pontos do planeta e são a minha janela para o mundo quando estou em Portugal.
DC - Como organiza a sua vida, os seus tempos livres, a sua preparação vocal, os ensaios, as viagens?
MP - A vida de um músico, em geral, ou de um cantor lírico, em particular, é bastante solitária, pois exige horas de prática e estudo individual. Também as viagens para audições ou para concursos pressupõem estar-se por conta própria e sem companhia.
Procuro reservar uma parte do dia para estudar (aquecimento vocal, preparação de repertório, estudo fonético das obras, pesquisa sobre o contexto daquilo que interpreto) e ver e ouvir vídeos de concertos e/ ou entrevistas e documentários; outra para dar resposta a e-mails e procurar novas ideias de projectos e, em função do que tenho para apresentar, fazer ensaios.
"a programação cultural é limitada e o apoio aos artistas portugueses é diminuto"
DC - O que acha que mudou no panorama da música erudita em Portugal?
MP - O actual panorama da música erudita em Portugal conta com maior número de músicos que, por sua vez, investem muito na carreira o que nos coloca perante um elevado nível de qualidade. Há mais músicos solistas de excelência e mais orquestras espalhadas de norte a sul do país. Por outro lado, apesar de haver mais espaços de concerto e mais infraestruturas, a programação cultural é limitada e o apoio aos artistas portugueses é diminuto.
Há uma maior consciência por parte dos nossos músicos face às exigências de uma carreira musical e, nesse sentido, uma procura previamente delineada de escolas, professores e formação de qualidade. Por outro lado, as competências de um músico não se prendem apenas com a boa execução técnica e interpretativa de repertório, mas também está patente uma necessidade de preocupação com a correcta gestão da própria carreira. Com uma panóplia tão variada de músicos de alto nível, há que marcar a diferença através da capacidade de dar resposta a outras questões como organização inteligente da agenda, capacidade de discurso coerente, facilidade e cuidado na comunicação, imagem, etc. O músico de hoje em dia é visto como um produto pelas equipas de marketing, pelos agentes e pelas instituições promotoras.
DC - Que soluções sugere para os problemas que afectam a música portuguesa?
MP - É necessário colocar de lado o estigma de que o produto estrangeiro oferece melhor qualidade e atrai mais público, pois essa não é a realidade. E mesmo que assim fosse. Cabe ao nosso País mudar mentalidades e provar a si próprio que tem valor. Portugal deve orgulhar-se dos seus artistas e dar jus ao investimento que é feito por eles na sua formação e especialização. É crucial permitir que os nossos músicos se apresentem dentro e fora do pais, cativando público, agentes, maestros, etc.importante criar dinâmicas de acção cultural.
A crise circunstancial não pode influenciar negativamente a correcção de uma crise estrutural. Vivemos uma conjectura cultural que necessita de espírito de iniciativa e convicção de que o talento nacional deve ser motivo de orgulho e de promoção do nosso país além-fronteiras. É preciso enfrentar as dificuldades com determinação e não baixar os braços, levando a que a cultura seja encarada de forma mais séria, uma vez que integra uma crise estrutural progressiva, cujas soluções de resolução não contemplam a cultura de forma realista.
"se nos centrarmos nos nossos defeitos, com certeza estaremos ocupados para o resto da vida"
DC - Como vê a nova geração de músicos portugueses?
MP - Esta nova geração é muito mais consciente face ao espírito de iniciativa e de trabalho árduo que é necessário para se conseguir uma carreira de relevo. Sinto que são jovens muito mais conhecedores e com uma visão muito mais realista. Por outro lado, são cada vez mais talentosos e alcançam níveis de grande qualidade muito mais cedo do que as gerações anteriores. Há cada vez mais músicos detentores de aptidões verdadeiramente impressionantes!
Quero acreditar, igualmente, que é também uma geração mais humana. Penso que as mentalidades estão a mudar em várias áreas de acção no mundo e que isso interfere na postura social do ser humano, logo na capacidade de lidar com as emoções de modo consideravelmente mais genuíno. Pelo menos no que diz respeito ao momento de fazer música em palco.
Os meus conselhos são exatamente nesse sentido, procurar a autenticidade nas interpretações e investir na carreira sem prejudicar o outro. Estudar muito comparando-se sempre a si próprio e não ao próximo. Se nos centrarmos nos nossos defeitos, com certeza estaremos ocupados para o resto da vida e melhoraremos de dia para dia.
DC - Se tivesse a oportunidade de integrar um projecto, o que faria?
MP - Sou uma pessoa que gosta de apostar em projectos diferentes e, por isso mesmo, estou neste momento a apresentar o meu segundo disco – “Canções de Lemúria”. Um conceito diferente e que foi idealizado por mim, em conjunto com a pianista Olga Amaro, com quem trabalho há cerca de um ano e meio.
Pretendemos dar o nosso contributo à cultura portuguesa de forma mais afirmativa do que temos feito. Temos incluído, sempre que possível, música portuguesa nos nossos recitais e, com este novo projecto, teremos música composta para nós por quatro compositores portugueses, sobre textos de quatro escritores portugueses. Eduardo Luís Patriarca, Nuno Jacinto, Osvaldo Fernandes e Paulo Ferreira-Lopes compuseram para nós sobre excertos de obras literárias de Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Paulo José Miranda e Valter Hugo Mãe.
O disco conta ainda com a participação do actor Pedro Lamares, com quem já trabalhamos há algum tempo. Porque não quis que se tratasse de mais um disco confinado aos concertos de lançamento e consequente catalogação nas prateleiras das lojas, surgiu a ideia de transportar o mesmo para palco num formato de espectáculo de canto e piano, com poesia declamada. A cenografia está a cargo da artista plástica Manuela Pimentel e a encenação é de Pedro Lamares, que estará igualmente em palco connosco.
Há um outro projecto muito especial que já subiu a palco, há cerca de um ano, e que provavelmente voltará a cena. Chama-se “Viagem a Buenos Aires” e é um espectáculo de cor, palavra e de trajecto pela música de Portugal, Cabo Verde, Brasil e Argentina.