O Professor Invisível de Isolda Crespi Rubio

“um primeiro passo no reconhecimento das dificuldades e árduo trabalho do pianista acompanhador”

Sandra Bastos

A influência do pianista acompanhador na aprendizagem musical dos estudantes de instrumento – a temática não podia ser mais pertinente para Isolda Crespi Rubio, que exerce a profissão de pianista acompanhadora há dez anos em Portugal. A escolha aconteceu na dissertação de Mestrado na Universidade Católica: “Tinha que ser um tema que conhecesse bem e que me apaixonasse, pois iria ocupar grande parte da minha vida nos seguintes meses”.

 

Por outro lado, acha também que “este ofício ainda não tem o devido reconhecimento, pois não existe uma verdadeira percepção da dedicação, do esforço e da pressão que implica”. Assim, sentiu necessidade de “investigar o trabalho de pianista acompanhador, de forma a compreender a sua importância e função nas instituições de ensino da música e a sua influência sobre os alunos durante o seu percurso de aprendizagem de instrumento e formação enquanto músicos”.

 

“o acompanhamento de piano regular é fundamental no percurso de aprendizagem instrumental”

A principal conclusão obtida a partir dos resultados dos inquéritos e das entrevistas realizadas durante a investigação foi que “o acompanhamento de piano regular é fundamental no percurso de aprendizagem instrumental dos alunos durante o ensino básico e secundário pois ajuda desenvolver aspectos técnicos e musicais”.

 

Também foi verificado que “o pianista acompanhador dentro de uma instituição é considerado um professor com funções pedagógicas e com uma grande influência sobre os alunos. Por outro lado, os alunos consideraram a experiência de fazer Música de Câmara como o aspecto mais relevante do trabalho com pianista acompanhador e a segurança do pianista no conhecimento das obras como o factor mais influente no seu desempenho”.

 

“Os alunos precisam de confiar plenamente no seu pianista acompanhador”

A segurança do pianista é, assim, fundamental: “Os alunos precisam de confiar plenamente no seu pianista acompanhador pois no momento da performance estarão os dois sozinhos no palco”.

 

Uma confiança e cumplicidade que se constroem não só nos ensaios e no palco mas também através da comunicação interpessoal: “Por vezes, uma conversa que um aluno precise de desabafar alguma coisa pode ajudar mais do que um ensaio. Tentar conhecer os alunos sem o seu instrumento, os seus gostos e os seus problemas, também é uma forma de construir esta relação”.

 

“a minha sala, por vezes, pode parecer mais um gabinete de psicologia”

O pianista acompanhador partilha “momentos de nervos, inseguranças e sucessos com os alunos ao longo do seu percurso de aprendizagem, tornando-se também um apoio psicológico importante”. Aponta o seu próprio exemplo: “nos momentos de mais pressão para os alunos, como as épocas de provas ou de recitais de final de curso, a minha sala, por vezes, pode parecer mais um gabinete de psicologia do que uma sala de ensaio”.

 

No trabalho realizado com alunos são precisas, deste modo, as mesmas funções dos outros profissionais e mais algumas: “No âmbito das instituições de ensino musical o pianista acompanhador tem um papel multifacetado onde representa um suporte importante para os estudantes na preparação de obras, atuando como complemento do professor de instrumento e como ponte entre o este e o aluno”.

 

“musicalidade e capacidade de interagir com outros músicos”

O pianista que trabalha com profissionais, por outro lado, precisa de ter “um perfeito conhecimento técnico e musical das obras a interpretar o que implica uma boa preparação prévia”.

 

“É precisa uma grande e rápida capacidade de adaptação e de compreensão de forma a conseguir um bom trabalho de equipa para obter uma performance de qualidade. Qualquer músico profissional também espera que o seu pianista acompanhador tenha flexibilidade e capacidade de reacção pois uma das principais funções de qualquer pianista é ser capaz de reagir rapidamente a qualquer mudança, erro ou salto que o solista possa realizar durante a performance”, sublinha.

No entanto a principal função do pianista acompanhador “reside na sua musicalidade e na sua capacidade de interagir com outros músicos”.

 

“constante pressão, responsabilidade e exposição”

E as principais dificuldades “provêm das condicionantes psicológicas que emergem desta actividade pela constante pressão, responsabilidade e exposição (através de audições, provas e recitais)”.

 

É muito frequente, ter de “preparar grandes quantidades de obras em muito pouco tempo e com um número escasso de ensaios (seja com músicos profissionais ou com alunos)”. Isolda diz que, nestes casos, “a falta de preparação unida à ansiedade da performance provoca um aumento da pressão psicológica, pondo em risco o desempenho do pianista acompanhador e consequentemente a sua imagem e reputação”.

 

“o preconceito de que é um pianista de segunda categoria”

“É sempre esperado que o pianista faça um trabalho excelente independentemente do tempo dado para a preparação e para os ensaios”, não obstante a “falta de compreensão e de consideração” pelo seu trabalho.

 

A desvalorização desta profissão é já antiga. Começa logo pelo facto de “muitos pianistas se dedicarem ao acompanhamento como segunda opção, sempre com a esperança de serem pianistas solistas, ou o facto do pianista acompanhador receber um cachet mais baixo do que o instrumentista que acompanha ou ainda que nas instituições de ensino da música se dedique muito tempo ao repertório solista do piano deixando de lado a área de acompanhamento, são só alguns dos factores que contribuíram para a aparição da discriminação do pianista acompanhador e o preconceito de que é um pianista de segunda categoria”.

 

“ainda existe um longo caminho por percorrer”

“Afortunadamente nas últimas décadas, este ofício tem sido fortemente reivindicado por vários pianistas de forma a alcançar o mesmo nível de respeitabilidade e estatuto que o de pianista solista embora ainda não esteja totalmente conseguido”, afirma.

Porém, “ainda existe um longo caminho por percorrer, especialmente pelos próprios pianistas acompanhadores que ocasionalmente conformam-se com situações e condições que não sendo as melhores, contribuem para a perpetuação da discriminação do papel de pianista acompanhador”.

 

“contribuir para a valorização e respeitabilidade desta profissão em Portugal”

Isolda Crespi Rubio gostaria, de alguma forma, que “este estudo pudesse contribuir para a valorização e respeitabilidade desta profissão em Portugal”.

“Esta investigação revela e verifica a importância do pianista acompanhador no ensino musical, significando um primeiro passo no reconhecimento das dificuldades e árduo trabalho desta actividade por parte dos vários profissionais do ensino, nomeadamente os professores de instrumento e os directores das próprias instituições”, sublinha.

 

O perigo dos cortes no ensino

Teme que, com as reformas de ensino e os sucessivos cortes no financiamento das escolas, estas comecem “a prescindir do acompanhamento regular de piano reduzindo-o a uns poucos ensaios com os alunos antes das provas ou recitais (no melhor dos casos) e ao acompanhamento das próprias provas”.

 

Defende que “isso não só seria prejudicial para os pianistas no que refere à redução de postos de trabalho, mas também para os alunos pois perderiam a experiência do trabalho regular com piano que ajuda a desenvolver numerosos aspectos técnicos e musicais”.

 

“Sinto-me afortunada por poder dedicar-me à minha paixão que é tocar piano”

Dedicou-se ao acompanhamento desde os inícios dos estudos superiores, altura em que descobriu que era essa vertente que queria seguir. Continuou a progredir em Portugal e tem tido “a sorte” de ter tocado com grandes músicos nacionais e internacionais como Catalin Rotaru ou Vincent Lucas, acompanhando vários concursos e cursos internacionais dentro e fora do país, gravando um CD com “a fantástica Adriana Ferreira” e chegando nos últimos anos, como acompanhadora, ao ensino superior.

 

“Posso dizer que estou muito satisfeita da forma como está a decorrer a minha carreira. Sinto-me afortunada por poder dedicar-me à minha paixão que é tocar piano”, realça.

Ainda este ano realizou o sonho de tocar a solo com orquestra o Segundo Concerto para Piano de Rachmaninov, experiência que espera repetir: “tento sempre aprender e melhorar procurando novos desafios para completar-me como músico e como pessoa”.

 

“cada vez é mais difícil conseguir oportunidades de trabalho ou ajudas para projectos”

Reconhece que crise está a reduzir muito a actividade musical em Portugal: “cada vez é mais difícil conseguir oportunidades de trabalho ou ajudas para projectos, o que está a provocar uma saída massiva de músicos do país”.

Assegura que, actualmente, “o nível dos músicos portugueses é muito alto e está ao nível de qualquer outro país europeu, mas infelizmente muitos têm que procurar o seu futuro fora de Portugal”.

 

“É muito triste que os nossos países não percebam que a cultura e especialmente a música é parte essencial da identidade de um país e que não apostem e criem mais oportunidades para intérpretes e compositores portugueses”, acrescenta.

 

Próximos projectos

Felizmente, a actividade musical de Isolda não abranda e ainda este ano vai acompanhar vários recitais com “excelentes músicos”, incluindo o Jovem Músico do Ano, Horácio Ferreira. Foi também convidada para acompanhar cursos de aperfeiçoamento e orientar uma masterclass de piano já no próximo ano.

 

Quer continuar a trabalhar como acompanhadora “da melhor forma que conseguir” e, quem sabe, “explorar e preparar algum projecto a solo”, como, por exemplo, voltar a tocar a solo com uma orquestra.

 

Gostaria, igualmente, de diversificar o seu trabalho como acompanhadora fora de Portugal, mas sem deixar as raízes que semeou em terras lusas. 

 

Isolda Crespi Rubio – Piano

Nascida em Barcelona, é licenciada em piano pelo Royal College of Music (Londres) onde estudou com o Professor John Barstow. Também tem uma licenciatura em Cinema realizada na Escola Superior de Cinema e Audiovisuais de Catalunha. 

Em 2013, concluiu o Mestrado em Ciências da Educação, Música, na Universidade Católica Portuguesa. Actuou em recitais como solista e pianista acompanhadora em Espanha, Portugal, França, Suíça, Reino Unido, Dinamarca e Coreia do Sul. 

Apresenta-se regularmente com a flautista Adriana Ferreira com quem gravou em 2011 o CD “Danse des Sylphes” para a  discográfica Numérica. Tem acompanhado masterclasses, audições e concursos, sendo convidada pelo Prémio Jovens Músicos, pelos Cursos de Aperfeiçoamento Musical de Vila do Conde, pelos Cursos de Aperfeiçoamento Técnico-Interpretativo da Academia de Música de Paredes, pelos Cursos Internacionais de Música de Barcelos, pela Fundação Gulbenkian (Lisboa) e pela Orquestra Sinfónica do Porto – Casa da Música. Tem gravado e tocado em directo em várias ocasiões para Antena 2. Recentemente apresentou-se a solo com a orquestra ARTAVE interpretando o concerto n.2 para piano de Rachmaninov.

Em 2013 publicou a sua tese com o titulo “O Professor Invisível. A influência do pianista acompanhador na aprendizagem musical dos estudantes de instrumento” na Editora “Novas Edições Acadêmicas”.

Actualmente é pianista acompanhadora na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto (ESMAE), na Universidade do Minho e na Escola Profissional Artística do Vale do Ave (ARTAVE).

 

 

 
 
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