Sandra Bastos
“Through Time” é o título do novo disco de Rui Lopes, que contempla obras de Heitor Villa-Lobos, Jean Françaix, Mozart, Vivaldi e Elgar. O fagotista português é acompanhado pela reputada English Chamber Orchestra (ECO), sob a direcção do seu concertino Stephanie Gonley, com quem divide a direcção do projecto.
Natural de Santa Maria da Feira, Rui Lopes estudou na ESMAE e na Academia de Música de Basel, na Suíça, onde vive actualmente com a esposa Barbara e os seus dois filhos Miguel e Pedro.
Tem desenvolvido uma carreira internacional notável como solista e em música de câmara.
“muito boas críticas por parte da imprensa nacional e internacional”
Como solista tinha o sonho de gravar a solo com uma orquestra. O sonho realizou-se este ano com “Through Time”: “E fazê-lo com a ECO, uma orquestra com tão grande reputação internacional e receber muito boas críticas por parte da imprensa nacional e internacional, é um reconhecimento do trabalho que tenho vindo a realizar e uma motivação muito forte para o continuar”.
Trabalhar com a ECO foi, assim, “um grande privilégio”: “Desde a simpatia até ao profissionalismo, passando pela velocidade com que trabalham, a flexibilidade e a musicalidade que demonstraram ao tocar obras de estilos tão diferentes”.
A edição do CD é da Solo Musica, de Munique, na Alemanha. As gravações decorreram em Londres, no LSO St. Luke’s e no Henry Wood Hall, com o produtor Andrew Keener e o engenheiro Simon Eadon.
“um mestre do instrumento mais grave das madeiras”
Rui Pereira, no jornal Público, atribui-lhe cinco estrelas: “Destaca-se a escolha de um belíssimo repertório com obras muito variadas e que dão a conhecer o instrumento em toda a sua riqueza sonora. Rui Lopes é, pois, um mestre do instrumento mais grave das madeiras e a sua escolha merece um louvor”.
É de louvar também a primeira gravação mundial na versão ara orquestra de cordas do Divertissement pour Basson et Quintette ou Orchestre à Cordes de Jean Françaix. Até agora, apenas tinha sido gravada a versão para quinteto de cordas.
E outra estreia mundial – um arranjo do próprio fagotista do Romance de Edward Elgar para Fagote e Orquestra de Cordas (original para Fagote e Orquestra Sinfónica).
“uma viagem dentro do repertório do Fagote”
A escolha do repertório foi “um desafio fascinante”, pois selecionar as obras de que mais gostava seria missão para vários discos: “não queria um só tema ou período da história da música, mas sim uma selecção das peças que mais prazer me dão ao tocar, dentro do nosso lindíssimo repertório”.
Começou pelo Barroco com o Concerto de Vivaldi em Dó maior; seguiu-se o emblemático Concerto em Si bemol de Mozart. Porém, Rui Lopes queria que fosse “uma viagem dentro do repertório do Fagote – “o solista desconhecido”! E Elgar? E Françaix, que nunca tinha sido gravado na versão para orquestra de cordas?”.
“É de admirar que uma cidade de 200 mil habitantes tenha mais de 30 museus!”
Não obstante ter começado tardiamente a estudar Fagote, aos 18 anos, Rui Lopes conseguiu desenvolver uma notável carreira internacional. Já viveu na Finlândia, Holanda e Espanha.
Veio pela primeira vez a Basel em 1998 para fazer o exame de admissão na Music Academy e desde as primeiras horas que passou na cidade sentiu-se em casa: “Fiquei tão impressionado com o verde, a arquitectura e os museus que, por ter decidido visitar um deles, o Kunstmuseum, ia chegando atrasado à prova (risos) É de admirar que uma cidade de 200 mil habitantes tenha mais de 30 museus!”
Sergio Azzolini diplomou-o com distinção
Na Academia de Música de Basel estudou com Sergio Azzolini, tendo-se diplomado com distinção. Na altura, deixou em Portugal 30 horas de aulas semanais e muitos concertos em troca de um estudo mais intensivo do Fagote: “Foi incrível poder estudar seis horas por dia, assistir a aulas de outros instrumentos, ir a concertos regularmente e no resto do tempo, ser turista no meu novo país”.
“Procurava o mesmo que continuo a procurar hoje: melhorar, estudando muito e bem, para chegar aos ensaios e concertos com um tal domínio harmónico, estilístico e técnico do programa que me permita esquecer a minha voz, concentrar-me mais nas outras e criar a atmosfera que pretendo”, explica.
“um perfeccionista que adora estudar e experimentar”
Assume-se como “um perfeccionista que adora estudar e experimentar”. Depois de Basel, continuou os estudos no Conservatório Richard Strauss, em Munique com Marco Postinghel. Já foi professor de Fagote e Música de Câmara na Universidade de Aveiro (2006-2010) e Academia Metropolitana (2010-2012).
Mas nada o motiva tanto como preparar um concerto a solo ou um programa de música de câmara: “poder escolher o repertório, ter uma grande influência na interpretação, viajar e conhecer novos músicos e culturas fascina-me”.
Digressões nos EUA e na América do Sul
Prepara agora uma digressão pelos EUA (Estados Unidos da América), onde se vai estrear no Carnegie Hall. Está também a preparar mais duas gravações, sobre as quais se aguardam novidades.
Paralelamente, tem tido a oportunidade de colaborar com a Orquestra de Câmara de Zurique, a Orquestra de Paris, a Orquestra Sinfónica de Lucerna e Camerata de Berna, entre outras.
“Existe em Portugal uma força de vontade enorme e uma criatividade incrível”
“Como todos sabemos, a evolução de qualquer meio musical estará sempre directamente relacionada com a situação económica e lamentavelmente a nossa de momento não é boa. Existe em Portugal por parte dos músicos e entidades musicais uma força de vontade enorme e uma criatividade incrível, mas sem dinheiro não me parece ser possível fazer mais”, afirma.
Confessa que se mantém informado através da Da Capo, Revista Musical Portuguesa: “Graças ao vosso excelente trabalho com a “Da Capo, tenho tido conhecimento dos prémios e de lugares em orquestras que os nossos colegas têm ganho. Fico muito orgulhoso cada vez que leio uma notícia do género! Parece-me que há mais ambição e também mais acesso à informação do que há uns anos atrás e os resultados estão a aparecer”.
As influências que o marcaram
Sente uma enorme gratidão pelos pais, que não o deixaram desistir: “enquanto adolescente, durante uns tempos perdi o interesse e fiz todos os possíveis para desistir, mas os meus pais felizmente não cederam, insistiram para que continuasse e valeu bem a pena”.
Também a tia Paula Castro, que 'pôs' os sobrinhos a estudar música na Academia da Feira; Ana Maria Ribeiro que o aconselhou a experimentar o Fagote e lhe apresentou Hugues Kesteman, que sua vez o fez apaixonar-se pelo instrumento; e Sergio Azzolini, por lhe ter feito sonhar e acreditar que o Fagote não é só um instrumento de orquestra.
“um intérprete dever ir ao encontro do compositor e não o contrário”
Aos jovens fagotistas, Rui Lopes aconselha o que repete a si próprio, que “façam diariamente exercícios de respiração e dediquem muito tempo às palhetas!”. Lembra que elas influenciam “incrivelmente” a qualidade do trabalho e da sonoridade: “Todos os músicos têm mais prazer a tocar quando gostam do som que estão a produzir. Por isso, organizem o mais possível sessões de palhetas com colegas, façam experiências, discutam e tomem notas, da forma o mais científica possível”.
“O objectivo final não deve ser o de encontrarmos o 'nosso' som, mas sim um som que se encaixe ao repertório que estamos a tocar. Tal como o dever de um intérprete é ir ao encontro do compositor e não o contrário”, sublinha.
Aconselha a que estejam “receptivos e abertos a formas diferentes de tocar”: “não existe uma escola ideal, um som ideal, um staccatto ideal... tudo depende do repertório e claro, dos colegas com os quais se toca”.
“Estudem não só a vossa voz, mas também a partitura. E muito, muito importante: cantem com o instrumento que temos, porque realmente é o mais bonito de todos!”, realça.
Rui Lopes
Iniciou os seus estudos de fagote com 18 anos - o seu temperamento musical e virtuosismo foram rapidamente reconhecidos. Rui Lopes estudou no Porto, Basileia e Munique nas classes de Hugues Kesteman, Sergio Azzolini e Marco Postinghel.
Foi distinguido com vários galardões, entre os quais o 1.º prémio no Concurso de Interpretação do Estoril 2008, participou em Festivais de Música como os de Schleswig-Holstein, Martinu, Davos e Lucerna.
Gravou um CD a solo para a DRS2, Rádio Clássica Suíça, e apresentou-se como solista com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a Orquestra da Ópera Nacional Finlandesa, a Orquestra Sinfónica de Zurique, a Orquestra Sinfónica de Basel, a Orquestra de Câmara Checa e a Orquestra de Câmara Kremlin, entre outras.
Tocou como 1.º Fagote na Orchestre de Paris, Camerata Bern, Zürcher Kammerorchester, Kammerorchester Basel, Ensemble Modern Orchestra, trabalhando com personalidades como Maurizio Polini, Cristoph Eschenbach, Jiri Belohlavek, Sakari Oramo, Esa-Pekka Salonen e Pierre Boulez.
Foi Primeiro Fagote Solo da Ópera Nacional Finlandesa (2002-2004) e posteriormente Fagote Solista do Ensemble Nacional Espanhol de Música Contemporânea em Madrid (2005-2006) e posteriormente professor de Fagote e Música de Câmara na Universidade de Aveiro e na Academia Nacional Superior de Orquestra (Metropolitana).
É membro do Trio Almaviva, do Lucerne Wind Ensemble e do Ensemble Laboratorium (grupo apadrinhado por Pierre Boulez) e apresenta-se regularmente com músicos como Konstantin Lifschitz, Patricia Kopatchinskaja, Nabil Shehata, Marcelo Nisinman, Sebastian Manz, Ramon Ortega, Nicholas Daniel e Loïc Schneider.