Antão e quê...?

Heterogeneidade da música Clássica portuguesa

 — 

Gabriel e Ricardo Antão

Como poderemos descrever a História da Música Portuguesa? E em comparação com o cânone europeu, como a situaríamos? Nesta crónica pretendemos, numa nota algo pessoal, olhar para o nosso passado e ver como este influencia o nosso presente, e a partir daí refletir sobre como nos pode inspirar para o futuro.

 

Nas aulas de História da Música somos familiarizados com o repertório canónico e, por conseguinte, com as escolas/tradições nacionais que mais se impuseram na Europa, nomeadamente as tradições alemã, francesa e italiana. De uma forma lata, poderíamos dizer que as tradições externas a estes três países tendem a ser consideradas nacionalistas, como forma de evidenciar uma cultura até certo ponto homogénea mas que não se enquadra no contexto centro-europeu (p. ex. o caso da cultura russa). No entanto, o caso português, tal como outros países, não pertencendo ao cânone europeu, carece também de homogeneidade. Na sua tese de doutoramento, António Pinho Vargas (2010) afirma que a falta de homogeneidade e falta de caraterização nacional levam a que a descrição do meio português seja feita segundo uma perspetiva comparativa, demonstrante também da força musical dos centros europeus e da sua hegemonia. Este é um tema de facto interessante e o qual é tratado com muita profundidade pelo referido autor, pelo que aconselhamos vivamente a sua leitura na íntegra. Também de grande interesse é a obra literária “A Sinfonia em Portugal” de Alexandre Delgado¹, que aborda esta temática de forma elucidativa.

 

Nesta crónica não queremos insistir de forma fatalista na posição de Portugal na Europa, mas sim tomar outra perspetiva sobre este tópico. Sim, a música Clássica em Portugal teve um passado atribulado, caraterizado por instabilidades tanto a nível cultural como aos níveis político e social, o que levou a que nunca se conseguisse estabelecer no seio europeu; a produção musical portuguesa, bem como o ensino da música em Portugal, não tiveram as melhores condições para prosperar ao longo dos últimos séculos. Pode ser verdade que a homogeneidade cultural tende a facilitar o sentimento de pertença à mesma. Contudo, o trabalho e dedicação de várias gerações de compositores, professores e músicos, levou a que pudéssemos ter uma produção tão heterogénea quanto prolífica, da qual pessoalmente nos orgulhamos muito. Esta heterogeneidade como identidade deve, na nossa opinião, ser entendida como um espelho da nossa História como portugueses, que nos aventurámos além-fronteiras, mantivemos rotas comerciais transatlânticas e, por conseguinte, fomos um país em constante mutação. Por isso mesmo, concordamos em que esta heterogeneidade possa ser algo não só positivo, mas que representa honestamente a nossa identidade.

 

Se as escolas de composição em cada país tendem a seguir linhas algo similares dentro do seu espectro, o fato de não haver uma matriz que guie uma escola portuguesa pode ser apreciado. Tomemos como exemplo o génio de Luís de Freitas Branco, que começou por estudar em Berlim numa escola conservadora com Humperdinck, e que se deixou igualmente deslumbrar por Debussy.  E Lopes-Graça, uma cor completamente singular no panorama português e distante do cânone europeu (o “Bartok” português, numa analogia frequente). E o que dizer de Joly Braga Santos, Luíz Costa, Viana da Motta? Cada vez mais nos damos conta de que temos um espólio musical tão rico em qualidade como em diversidade. Com isto não pretendemos afirmar que outros compositores não bebessem de fontes distintas, mas acreditamos que no caso português, tal fosse a regra e não a exceção, ora não tivessem uns sido discípulos de outros.

 

Apesar de a História da Música Portuguesa fazer parte dos currículos escolares (especialmente no ensino superior), não temos memória de as grandes obras-primas da nossa cultura terem sido colocadas a par das obras de semelhante craveira além-fronteiras, quando certamente têm nível para ombrear com elas. Talvez a sua parca presença no mercado discográfico e a exígua presença em programas de concerto nos tenham passado essa sensação. É evidente que o repertório canónico deve ser apreciado e valorizado; porém, acreditamos que o trabalho dos compositores portugueses deve ser mais apreciado (e especialmente mais tocado), tanto o daqueles que já deixaram o seu espólio nos arquivos portugueses, bem como daqueles que diariamente o aumentam. Quiçá fosse possível eliminar algumas barreiras à divulgação dos nossos compositores, como a comparticipação de direitos para a sua reprodução, ou promover a sua reprodução em meios sinfónicos e de câmara, onde existe a necessidade de apresentar repertório estabelecido para ir ao encontro dos públicos. Não nos queremos arvorar em especialistas na gestão cultural, apenas ansiamos por melhores oportunidades para a música portuguesa. Em tom mais positivo, é com agrado que notamos uma maior apetência no panorama musical português para apresentar obras recentemente compostas quando, em centros musicais mais tradicionais, tal prática leva a inúmeras queixas telefónicas dos seguidores e assinantes das orquestras.

 

Para terminar, queremos reforçar que, tendo corrido o risco de ser pouco minuciosos na descrição e argumentação de alguns fatos históricos, aconselhamos vivamente a leitura de algumas fontes (em especial as supramencionadas) que explicam exemplarmente toda a complexidade da História da Música em Portugal.

 

 

 

¹  Editorial Caminho.

 

Artigos sugeridos