Sandra Bastos
Aos 18 anos, Beatriz Li Rosão é uma das jovens promessas da música clássica em Portugal. Venceu o 1.º Prémio em Violino – Nível Médio no Prémio Jovens Músicos 2025 e concretizou um sonho: tocar a solo com a Orquestra Gulbenkian. Formada na Academia de Música de Lisboa e atualmente a estudar em Amesterdão, prepara-se para representar Portugal no Eurovision Young Musicians, no próximo ano, na Arménia.
Beatriz não é uma novata no PJM. Quando há dois anos, o seu professor a aconselhou a concorrer ao PJM, achou que seria algo fora do seu alcance: “na minha cabeça era um objetivo muito acima do que o que eu tocava”. A verdade é que estava enganada, já que conseguiu o 2.º Prémio e este ano, ao voltar novamente à competição, conseguiu o desejado 1.º Prémio e o sonho de tocar com a solo com a Orquestra Gulbenkian.
Mantendo a tradição, decidiu levar para as provas o Concerto de Tchaikovsky, o mesmo que de há dois: “acho que, às vezes, voltar a obras que já tocámos abre-nos muito os olhos, e vemos e ouvimos coisas que antes nem tínhamos notado na partitura.”
O maior desafio foi conciliar os estudos universitários com a preparação intensiva para o concurso: “Os meus exames calhavam todos muito perto, ou até em cima das provas do PJM, e a altura das eliminatórias foi uma fase mais difícil mentalmente.
A final, realizada em Leiria, foi o momento mais tenso da competição: “um pensamento que entrava muito era a final de há dois anos, quando tinha levado o mesmo concerto (Tchaikovsky), e não tinha corrido bem. Foi muito stressante e tinha receio que esse mesmo medo voltasse outra vez este ano”.
Apesar da pressão, conseguiu superar as expectativas: “Correu bem, mas não exatamente como queria — especialmente o primeiro andamento. Por isso escolhi essa parte para tocar na Gulbenkian, para provar a mim mesma que conseguia fazer melhor”.
“Apesar de todas as dificuldades, adorei tocar o Tchaikovsky na final, especialmente o terceiro andamento. É tão divertido de tocar, e o final é dos finais mais icónicos e emocionantes de qualquer concerto para qualquer instrumento”, sublinha.
O concerto dos laureados na Fundação Calouste Gulbenkian foi, para Beatriz, um momento muito marcante. “Essa semana toda na Gulbenkian foi muito especial, os ensaios com a orquestra, que me fizeram sentir tão em casa, e o maestro também, mas realmente o concerto foi fora deste mundo. Não sei bem como explicar o que senti. É como se tudo o que tinha trabalhado até aquele momento, era para aquele concerto, aquela noite”, confessa.
Ao terminar o primeiro andamento, foi recebida com uma ovação de pé: “. Não estava à espera da reação do público, foi tão alto, tantas palmas. Parecia que o público tinha molas na cadeira. Quando toquei o último acorde, a plateia toda de pé, comecei logo a chorar”.
“E é muito bonito pensar que todas as pessoas estão naquele auditório, no mesmo mundo, no mesmo planeta a ouvir a mesma música. Mesmo que todos venham de contextos diferentes, acho que é o que faz a música tão especial”, acrescenta.
Para a jovem violinista, o PJM já mudou a sua carreira: “Há dois anos foi o primeiro passo para uma preparação mais elaborada para um concurso, e percebi que o talento não é tudo, as coisas não saem tão facilmente quanto parecem. É mesmo preciso muita dedicação, e especialmente, muita paciência”.
“Este ano percebi que quando se trabalha bem, quando se repete, se estuda e se trabalha, tecnicamente não há como falhar. Depois, a decisão do júri acaba por ser uma decisão de interpretação”, afirma.
Entre os momentos mais marcantes do seu percurso musical está a sua participação no Concertgebouworkest Young, há dois anos: “Apaixonei-me ainda mais pelo trabalho de orquestra. A oportunidade de tocar na Concertgebouw de Amesterdão e na Konzerthaus de Berlim é muito especial para jovens de 15/16 anos”. Destaca também as conexões que fez: “parece que saímos de lá como uma família. Aquele projeto é muito bonito”.
Da família tem o apoio incondicional, sobretudo da mãe: “É a pessoa que me inspira todos os dias, alguém que não é só a minha mãe, mas também minha melhor amiga. Sem ela era impossível tocar o que toco hoje e ser quem eu sou. Foi uma pessoa que foi e ainda vai comigo a todo o lado, e que me apoia com tudo o que ela tem”.
Destaca a Academia de Música de Lisboa como a sua segunda casa, onde volta “para matar as saudades de muita gente”. E a influência dos professores Vítor Vieira e José Pereira. No entanto, a sua primeira professora, Filipa, Poêjo, marcou-a de forma mais profunda: “Sentia que era tipo uma segunda mãe para mim, uma pessoa que foi muito, muito essencial no meu crescimento como pessoa e como música”.
Atualmente a estudar em Amesterdão, também se sente inspirada pela sua atual professora atual: “Foi uma mudança drástica — mas para melhor. Cada aula com ela parece um masterclass. Acho que foi a melhor professora que tive até agora.”
A decisão de seguir uma carreira musical partiu da influência da sua mãe: “não por ela fazer parte desse meio, mas porque tinha um interesse genuíno em música clássica, e quando eu era pequena, perguntou-me e ao meu irmão se queríamos tocar violino ou piano. Eu escolhi violino e o meu irmão escolheu bateria, mas a minha mãe não o deixou começar”.
Seguiu-se “um trajeto bastante calmo sem muitos tropeços”, com a música a sair-lhe “facilmente”. Só aos 13 anos, quando começou a cansar-se com o estudo é que surgiram as dificuldades. Entretanto, surgiu a mudança com a participação na Jovem Orquestra Portuguesa (JOP): “Acho que reencontrei o gosto pela música aí, quando descobri o mundo da orquestra”.
Entre os seus maiores sonhos está integrar a Herbert von Karajan Akademie da Berliner Philharmoniker. E quando veio estudar para Amesterdão, a Koninklijk Concertgebouworkest também se tornou mais um sonho. Sobre o futuro ainda não sabe como gostaria de fazer música, mas garante que quer ficar por Amsterdão, e fazer o mestrado em Berlim, com Antje Weithaas.
Neste primeiro ano no estrangeiro descobriu uma nova paixão – a música de câmara, a par da sua grande paixão pela orquestra. Mais recentemente, com a visibilidade conquistada no PJM e a oportunidade de representar Portugal na Arménia, começou também a abrir portas para o trabalho a solo e a participação em concursos.
Para Beatriz Li Rosão, estudar no estrangeiro é uma escolha determinante, mas não necessária, para quem quer trabalhar ao mais alto nível: “É possível ser-se bom músico em Portugal e ter uma boa carreira. Há muitos bons músicos que estudaram e trabalham atualmente em Portugal”.
Contudo, admite que a decisão de estudar fora traz um salto qualitativo: “Ser um bom músico em Portugal é bastante diferente de ser um bom músico em Berlim, por exemplo, ou em Nova Iorque”. O contexto cultural faz a diferença: “Apesar de Portugal ser muito rico em gastronomia, desporto e ter um povo muito caloroso, sinto que na cultura podia ser ainda mais forte. Não só no nível, mas também no interesse das pessoas.”
As oportunidades para músicos clássicos no país são limitadas, sobretudo no que diz respeito a trabalho, concertos e recitais: “Sinto que há cada vez menos público e menos interesse na música clássica em Portugal. Então, os músicos encontram refúgio noutros países onde a sua arte é bem-vinda.”
Considera que o panorama da música erudita em Portugal continua a revelar uma distância significativa em relação a outros países europeus, nomeadamente no que diz respeito ao envolvimento e comportamento do público. “Há uma diferença abismal entre o público português e o holandês”, diz e aponta exemplos: “Coisas aparentemente simples, como o silêncio durante um concerto, fazem toda a diferença. Lá, não há telemóveis a tocar nem pessoas a falar alto.”
Um dos exemplos mais marcantes ocorreu em maio deste ano, durante o festival dedicado a Mahler — um evento raro, realizado apenas pela terceira vez desde 1920. No concerto final, com a Filarmónica de Berlim a interpretar a Nona Sinfonia do compositor, a sala manteve-se em silêncio absoluto durante vários minutos após o último acorde. “Foi um momento de respeito e homenagem, mas também de profunda apreciação pela música. Em Portugal, infelizmente, seria difícil imaginar uma reação assim”, lamenta.
O contraste não se limita à atitude do público, mas também à sua dimensão. A sala estava esgotada, e o concerto foi transmitido em direto no Vondelpark para milhares de pessoas. Em Portugal, um público desta escala só costuma reunir-se em festivais como o Primavera Sound ou o NOS Alive.
Em relação à sua geração de jovens músicos, acredita que querem fazer a diferença: “Vejo uma nova geração com fome para mais, com um fogo dentro deles para criar música de uma maneira diferente. Sinto que querem quebrar tradição e experimentar maneiras novas de tocar”.
Embora reconheça o dinamismo deste novo ciclo, Beatriz identifica-se com uma visão mais clássica. “Adoro o facto de a música clássica ter mantido tradição e de ser um círculo mais fechado, um mundo que tem de se rasgar e trepar para se descobrir. Mas acho fascinante a nova geração de músicos e a sua determinação.”
O futuro apresenta-se já com grandes desafios e oportunidades. Prepara-se para representar Portugal no Eurovision Young Musicians, após ter sido distinguida no concerto dos laureados da Fundação Calouste Gulbenkian. “Acho que vai ser uma experiência incrível”, garante.
Antes disso, tem uma agenda exigente de provas e audições. Entre os próximos objetivos estão o regresso ao Verbier Festival, na Suíça, e a preparação para audições em algumas das orquestras e academias mais prestigiadas do mundo, como a European Union Youth Orchestra (EUYO), a Gustav Mahler Jugendorchester (GMJO) e o Pacific Music Festival.
Beatriz Rosão
Beatriz Rosão (2006), natural de Lisboa, começou os seus estudos com 5 anos de idade, com a professora Filipa Poêjo na Academia de Música de Lisboa, e aos 13 anos começou a estudar com o professor Vítor Vieira, acabando os seus estudos do ensino secundário com o professor José Pereira.
Frequentou masterclasses com Mihaela Martin, Henning Kraggerud, Alf Richard, Stephan Picard, Álvaro Pereira, Francisco Lima, Kirill Troussouv, entre outros. Em 2023 recebeu o primeiro prémio no Concurso Nacional de Cordas “Vasco Barbosa”, apresentando-se consequentemente no Centro Cultural de Belém, com a Camerata Atlântica, e, em 2023 e 2025 recebeu, respetivamente, o 2º e o 1º prémio em Violino – Nível Médio do Prémio Jovens Músicos da RTP – Antena 2, apresentando-se consequentemente com a orquestra Gulbenkian, no grande auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
Em trabalho de orquestra, colaborou com a Jovem Orquestra Portuguesa (2021-23), apresentando-se nas principais salas em Portugal e em Berlim, e trabalhou com a Orquestra Sinfónica Juvenil (2022-24), tendo sido bolseira da Fundação EDP/OSJ.
Em 2023 foi convidada a ser concertino na orquestra internacional “Concertgebouworkest Young”, onde colaborou com o maestro Andrés Orozco-Estrada, e a violinista Maria Dueñas, tendo realizado concertos em salas como a Concertgebouw, em Amsterdão, e a Konzerthaus, em Berlim.
Em 2024, foi convidada novamente a ser concertino na orquestra “Verbier Festival Junior Orchestra”, parte do renomeado “Verbier Festival”. Neste festival teve a oportunidade de trabalhar com os maestros James Gaffigan, Ion Marin, Vincenzo Milletarì, e Sir Simon Rattle.
Atualmente estuda com a professora Vera Beths, no Conservatorium van Amsterdam, e em junho de 2026 vai representar Portugal no concurso Eurovision Young Musicians, que vai decorrer na Arménia.
Beatriz Rosão toca num violino Gregorio Antoniazzi (Colle, ca. 1740), denominado Domenicus Montagnana e num arco “Roger Lotte” (ca. 1950), um generoso empréstimo da NMF (Nationaal Muziekinstrumenten Fonds).