Opinião

O futuro das bandas filarmónicas: desafios e aventuras

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Sara Beatriz do Vale

  • Banda Musical de Oliveira
  • Sara Beatriz do Vale

A propósito das comemorações do seu 240.º aniversário e do Dia Mundial da Música, a Banda Musical de Oliveira, fundada no concelho de Barcelos, organizou uma conferência no Salão Nobre dos Paços do Concelho, durante a tarde de 1 de Outubro. A mesma tinha como tema “A importância das bandas filarmónicas na construção da identidade cultural das localidades” tendo como oradores convidados os professores Elisa Lessa (Universidade do Minho) e Ricardo Antão (Universidade de Aveiro), moderados por Sandra Bastos, diretora desta revista.

 

Ao longo da sessão, os oradores exploraram o papel das bandas filarmónicas no património português, no ensino musical e cívico, e na identificação e no orgulho de cada localidade, bem como os desafios que enfrentam e as inovações que, presentemente, oferecem à comunidade (musical).

 

É, de facto, inquestionável o peso destas instituições na cultura musical do povo português. Ao longo dos três últimos séculos, para muitos, os desfiles e apresentações das bandas musicais eram uma forma de estabelecer contacto com esta arte, de a ouvir e de a interpretar. Para um número considerável de músicos (profissionais ou amadores), foram as filarmónicas que lhes permitiram ouvir, pela primeira vez, obras reconhecidas do repertório orquestral e solístico, mas não só.

 

Simultaneamente, formavam-se os “conservatórios de música do povo”, próximos e acessíveis à população, distribuídos por todo o país. Estas escolas de música das bandas foram crescendo, tendo algumas, pela sua qualidade e importância, alcançado o estatuto de verdadeiros conservatórios de música, com os quais cada vez mais frequentemente articulam. Todos conhecemos músicos que iniciaram o seu percurso nestas instituições, pelo que estas são, sem dúvida, o passado, o presente e o futuro de boa parte dos músicos profissionais e daqueles que hoje se encontram em formação. Consequentemente, quase todos mantêm uma ligação a estes lugares de partida: onde outrora aprenderam a solfejar as primeiras notas e a saber estar e ser, regressam, qual ponto de encontro entre profissionais, semi-profissionais e amadores, pois é o amor à Música que os une, e esse amor também se transfere para as suas localidades, para a sua identidade - que as bandas ajudaram a construir.

 

Posto isto, é necessário perceber como é que estas instituições, que celebram o seu passado e o seu presente, podem ter um futuro. Num cenário em que a música e o seu ensino são cada vez mais acessíveis, que importância pode ter uma banda filarmónica na sua localidade e nos seus elementos? Talvez tenha mais a oferecer a estes últimos, através do sacrifício, o associativismo incute responsabilidade que se transforma em amizade e companheirismo e, mais uma vez, reforça o sentimento de pertença.

 

Não obstante, as bandas de música podem adotar um papel importante no futuro profissional dos músicos. Primeiro porque são uma porta de entrada para a música e depois porque são formações que lhes permitem “varrer” uma grande panóplia de repertório e estilos variados, permitindo que os jovens ganhem consciência do seu gosto para esta arte, mas também dos seu diversos períodos e géneros. Afinal, além da formação filarmónica e do comum repertório popular, estas associações começam a dar espaço para as asas das formações de câmara (quartetos e quintetos de clarinetes e de saxofones, decatetos de metais, grupos de percussão, por exemplo), aventurando-se algumas já nas formações de big band. Algumas bandas, ainda, recebem nas suas sedes grupos de teatro, de dança, etnográficos; aulas de canto, guitarra, percussão e piano, abraçando e espalhando a cultura a todos aqueles que a procuram. As sedes tornam-se, pois, verdadeiros pólos de cultura das suas comunidades.

 

Tudo isto sem referir a inclusão de instrumentos menos usais (como a viola d’arco de José Valente, acompanhada pela Orquestra Filarmónica Gafanhense no álbum Trégua [2022]), as parcerias com artistas locais (desde a olaria até às bandas de garagem, como se consumou no projeto entre a Banda de Música de Mateus e os First Breath After Coma) e até a inclusão da eletrónica nas suas apresentações. Com estas adições, compositores e maestros poderão ter nas bandas filarmónicas espaços e músicos fantásticos para realizar novos projetos, criar novas sonoridades e correntes, e, claro, atrair novos públicos, pois os coretos começam a ser pequenos para bandas que aglomeram seguidores, à medida que ganham cada vez mais prémios nacionais e internacionais.

 

Com sacrifício individual e coletivo, mas também com vários apoios de beneméritos e do poder local, desenrola-se a reinvenção das bandas, processo esse necessário para a sua sobrevivência e relevância. Assim, esta última nunca será questionada.

 

Ver também:

Antão e quê...? Bandas Filarmónicas

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