Antão e quê...?

Bandas Filarmónicas

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Gabriel e Ricardo Antão

  • Ricardo e Gabriel Antão

Nesta crónica de Outubro, mês em que se celebra o Dia Mundial da Música, queremos deixar o nosso reconhecimento a um dos mais importantes pilares da música em Portugal: as bandas filarmónicas.


Durante várias décadas, estas coletividades foram um dos principais agentes impulsionadores da cultura musical em Portugal, permitindo que várias gerações tivessem acesso ao ensino da música, o que de outra forma seria impossível. Além do ensino de leitura musical, o famoso solfejo, também eram estas coletividades que permitiam que as pessoas pudessem ter um instrumento musical, o que seria financeiramente incomportável para grande parte da população. Se a isto aliamos a divulgação de obras de música “erudita”, em arranjos e transcrições para banda, temos que estas instituições desempenharam um papel crucial na instrução e na vida cultural das populações, primeiro nos meios urbanos onde surgiram, e depois mais tarde em meios rurais, para onde se foram expandindo (Lessa, 2019). E onde ainda hoje ajudam na formação de vários músicos, como podemos ver pela grande quantidade de profissionais que tiveram a sua entrada no meio musical pelas portas destas associações. É também nestas instituições que encontramos exemplos admiráveis de amor a esta arte, que inspiram muitos jovens a enveredar por uma carreira artística. Gostaria de dar um exemplo que me marcou bastante (Ricardo), de uma pessoa que sempre foi um apaixonado pela música e pela sua banda, e que quando era jovem e tinha de trabalhar nas terras, fugia para ir para a banda aprender música; quando chegava a casa, sabia que ia ter represálias, mas isso não o demoveu. Mesmo mais tarde, quando trabalhava na construção civil, aproveitava a hora de almoço para comer algo rapidamente para poder estudar para cumprir com a sua parte no ensaio. E são estes exemplos que nos moldam, são estas pessoas que, de forma tão íntegra, nos ensinam pelo exemplo.


Como qualquer associação, também a nível social as bandas desempenharam um papel importantíssimo, seja pelo assinalar de efemérides importantes (feriados religiosos, datas oficiais, entre outros), pela coesão social (pois na mesma formação convivem, lado a lado e sem distinções, membros dos diversos estratos sociais) e pelo reforço da identidade local, ao levar o nome da terra a diversas paragens. E sem deixar de assinalar, claro, as famosas discussões “bairristas”, em que os mais aficionados disputam pelo destaque em relação às instituições “rivais”. Sempre de forma positiva, por gente que vive e se orgulha da sua terra. Ainda quanto à importância social das diversas associações, numa entrevista o professor António Saiote mencionou um dado muito interessante: que a Confederação Portuguesa das Coletividades fez um inquérito aos sem-abrigo de Lisboa, e chegaram à conclusão que nenhum sem-abrigo teria passado por uma Associação, seja ela Desportiva ou Cultural. Isto dá uma ideia do papel absolutamente fundamental que as associações têm na comunidade. E se ainda restassem dúvidas quanto à importância cívica e social destas instituições, convém relembrar que, durante o Estado Novo, várias bandas tiveram de mudar o seu nome, para não serem proibidas de existir. Portanto, são também representações da liberdade cultural de um povo.


Por aqui também inferimos que, a nível estatal, as bandas perderam algum do reconhecimento devido. E também na Academia as bandas se encontram, frequentemente, numa posição pouco favorável, seja em relação à Orquestra Sinfónica ou devido à sua génese. Fruto da sua posição difícil de classificar em termos da pertença a um meio urbano ou rural (afinal, estas coletividades têm traços identitários ligados à cultura tradicional, por um lado, e por outro à cultura erudita), e pela sua inspiração nas bandas militares, as bandas encontram-se num ponto único em termos sociais e culturais, o que por outro lado dificultou o seu estudo nas áreas da Musicologia e da Etnomusicologia (Russo, 2007) .


E a verdade é que Portugal é um caso sério de estudo, pois mesmo com uma aposta baixa na cultura, tem tido resultados inacreditáveis na formação de músicos, que têm dado imensas cartas aquém e além fronteiras. E estes são resultados que não são possíveis a curto prazo, mas são fruto de muitos anos com um ensino da música com bom nível. Se é certo que houve, recentemente, uma grande expansão no número de escolas e academias, anteriormente esse trabalho era levado a cabo pelas bandas filarmónicas, que ensinavam quem queria aprender (geralmente a título gratuito), cediam instrumentos, e permitiam um contacto próximo com muitas obras musicais que, de outra forma, os músicos e as populações não teriam acesso, como já referimos. E há também um detalhe muito interessante, que acho importante ressalvar: mesmo quando já havia conservatórios públicos, e algumas academias e escolas profissionais, as bandas continuavam a desempenhar um papel essencial, pois os alunos, muitas vezes, aprendiam solfejo e a tocar um instrumento antes de ingressarem nessas escolas, o que lhes permitia desenvolver um trabalho ainda mais elevado nas escolas. As bandas faziam, essencialmente, o trabalho que as escolas começaram mais tarde a fazer, com os cursos de iniciação à música.


Estas instituições continuam a desenvolver o seu trabalho, e também a deparar-se com grandes desafios. A pandemia, que tanto afetou o setor cultural, também castigou bastante as bandas, que viram alguns dos seus membros sair do seu seio. Sendo grupos constituídos em grande parte por músicos amadores, dois anos de interrupção ou pouca atividade criaram uma inércia que foi difícil de vencer, pois a participação numa associação implica sempre o sacrifício de tempo e por vezes recursos, e alguns participantes consideraram ser o tempo de terminar a sua ligação à banda onde se encontravam. É por isso importante que as bandas repensem ou reforcem a sua forma de estar, a maneira como se aproximam do público e da comunidade. A participação em festivais e concursos (onde se leva também o nome da comunidade tão bem representado) é uma dessas possibilidades, assim como a criação de espetáculos com outras instituições (num exemplo bastante recente, o evento “Barcelos a uma Voz”, que juntou a Banda Musical de Oliveira e centenas de vozes de todos os grupos corais do Concelho) ou a criação de repertório inédito (exemplo do disco “Trégua”, do violetista e compositor José Valente, que se aliou com a Orquestra Filarmónica Gafanhense e com o seu maestro Henrique Portovedo para criar a primeira obra para Viola e Banda).


O futuro é incerto, ninguém o duvida. Mas de instituições que sempre lutaram, e que por tanto se bateram, podemos acreditar que não se pouparão a esforços para fazer a sua parte na criação cultural do nosso país. Resta-nos agradecer, e reconhecer todo esse esforço.

 

 

Bibliografia:

Lessa, E. (2019). De créditos firmados: as bandas de música em Braga nos séculos XIX e XX. Câmara Municipal de Braga.

Russo, S. B. (2007). As Bandas Filarmónicas enquanto Património: Um Estudo de Caso no Concelho de Évora. Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

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