Da Capo
Samuel Bastos, oboísta, foi laureado com o 3º Prémio na VI edição do Concurso internacional "Giuseppe Tomassini", que se realizou de três a cinco de Outubro na pequena comunidade de Petritoli, provincia de Fermo em Itália, onde se apresentaram vinte e cinco oboístas de várias nacionalidades. Realiza-se de três em três anos e já conta com dezoito anos de história, mas só em 2001 se internacionalizou. Nas últimass edições foram premiados oboístas de grande renome internacional como Sébastien Giot (oboísta solista da Orquestra de Estrasburgo), Nora Cismondi (oboísta solista da Orquestra Nacional de França), Fabien Thouand (oboísta solista da Orquestra do Scala de Milão), Lucas Macias Navarro (oboísta solista da Orquestra do Concertgebouw), entre outros. Os elementos do júri incluem músicos reputados como H.Schellenberger, Gordon Hunt, Maurice Bourgue, François Leleux, Thomas Indermühle, Carlo Romano, Francesco di Rosa, Aurèle Nicolet entre outros.
A Da Capo falou com Samuel Bastos para nós contar não só a experiência neste concurso, mas sobretudo o seu trabalho como músico.
De Braga para Zurique
Teve a sorte de nascer no seio de uma família de músicos e ser o filho mais novo de quatro irmãos foi determinante para “ser bem orientado desde o início”. Entrou no Conservatório Calouste Gulbenkian de Braga com dez anos de idade, onde estudou com José Fernando Silva: “um grande professor que me deu todas as bases do instrumento e uma disciplina de estudo que ainda hoje tem muitos reflexos”. Nos oito anos em que estudou no Conservatório de Braga teve “excelentes professores a todos os níveis” e fez amigos que nunca vai esquecer: “a camaradagem e a qualidade de ensino da escola, onde obtive todas as bases que me deram para o futuro que eu procurava, estudar no estrangeiro”.
O estrangeiro significava “a vontade de ir mais longe e conhecer novos mundos”. Antes de sair, esteve um ano na Escola Superior de Música de Lisboa com o professor Andrew Swinnerton, “um grande senhor”, um músico pelo qual tem “muito respeito e admiração”. Em 2006, finalmente, entrou na Universidade das Artes de Zurique para estudar com o professor que sempre quis, Thomas Indermühle. “O que posso dizer dele? É, sem dúvida, o meu grande maestro”, confessa.
Antes de terminar o Mestrado, entrou na Academia da Ópera de Zurique (2010-2012), onde teve a oportunidade de trabalhar na orquestra e ter formação com os solistas. “Foi a grande viragem no meu percurso, entrei num mundo desconhecido - a ópera. Aí aprendi a tocar numa grande orquestra, com uma programação desde Bach, passando por Mozart, Wagner, Verdi, R. Strauss até aos compositores de hoje”, conta.
Ainda não tinha terminado a Academia da Ópera, quando foi admitido na Academia H. von Karajan da Filarmónica de Berlim. Quase de malas prontas a caminho da Alemanha, voltou a desfazê-las, pois, quinze dias mais tarde, ganhou o lugar de oboísta solista na Orquestra da Ópera de Zurique.
“um prémio é o reconhecimento do meu trabalho naquele momento”
A par deste percurso, participou em inúmeros concursos, arrecadando vários prémios: 1º Prémio no "IV Concorso Internazionale per Oboe Giuseppe Ferlendis 2010", em Itália: 1º Prémio no Concurso Internacional para Giovani Interpreti ´´Cittá di Chieri`` 2005, em Itália: Prémio Yamaha Music Foundation of Europe 2006; ´´Prémio Jovens Músicos`` (RDP-RTP 2007), ´´Prémio Maestro Silva Pereira``; I Concurso Nacional "Terras de La Salette 2008"; 2º Prémio no "Concours National d´Execution Musicale Riddes 2008" na Suíça. No início de Outubro deste ano, foi laureado com o 3º Prémio na VI edição do Concurso Internacional "Giuseppe Tomassini", também em Itália. É precisamente este o ponto de partida da nossa entrevista.
“Para mim, este prémio, como os outros, é simplesmente um reconhecimento do meu trabalho prestado naquele momento”, diz Samuel Bastos. “Já fiz concursos que me correram muito bem, outros muito mal, por isso temos de ter em conta que um concurso é um momento, podem ser cinco, dez, vinte minutos de uma prova onde estamos a ser altamente avaliados”, acrescenta.
“os concursos não são tão importantes como muitas vezes pensamos”
O 1º e 2º Prémios foram atribuídos, respectivamente, a Jérémy Sassano, francês, Corne Inglês solista da Ópera de Frankfurt e Nanako Kondo, japonesa, Oboé solista também da Ópera de Frankfurt. “Todos os oboístas que foram premiados neste concurso têm grandes carreiras internacionais, o nível desta edição era muito elevado e por isso estou contente por pertencer a esse histórico. Alguns concursos podem-nos abrir algumas portas e oportunidades mas em geral não são tão importantes como muitas vezes pensamos, não nos trazem estabilidade, são apenas um reconhecimento”, confessa.
Assim, o solista da Ópera de Zurique diz ter “cada vez menos vontade” de se apresentar em concursos: “A tensão, pressão, nervos, ansiedade, tudo o que se gera à volta de resultados, etc., não vai de encontro à minha filosofia de fazer música. Claro que estamos ali para fazer música mas sabemos que estamos a ser avaliados e estamos indirectamente a competir com outros amigos e colegas”.
“quando nos apresentamos em público devemos ter a nossa própria personalidade”
“Eu pergunto: música a competir? Personalidades muito diferentes a competir? Como julgar isso? Terão muitas pessoas, que se sentam numa cadeira de júri, competências, experiência e qualidades para isso? Muitas vezes, temos pessoas a julgar-nos que pensam a música de maneira totalmente oposta, ou simplesmente não pensam em música... como podem julgar diferentes caminhos de fazer arte?”, questiona.
Afinal, o que é a Música? “Eu penso a Música para todo o público, quando nos apresentamos em público devemos ter a nosso própria personalidade, identidade, carácter, uma abordagem concreta do que estamos a tocar e que essa mensagem passe de imediato para quem nos ouve, não se alguém nos vai julgar, pois tudo isso condiciona o que queremos fazer”, esclarece.
“o palco é o nosso lugar, é por ele que vivemos apaixonados”
O lugar do músico é no palco, mesmo que seja uma prova: “o palco é o nosso lugar, é por ele que vivemos apaixonados”. O músico tem, assim, de disfrutar esses momentos únicos, “em que a única coisa que existe quando terminamos são aplausos e não se passamos à fase seguinte do concurso”.
Muitas vezes, nos concursos, isso é “o menos importante”, pois o ambiente envolvente não deixa que os intérpretes se concentrem no mais importante - a música, a obra dos diferentes compositores, o “entrar no espírito de cada um dos compositores, conhecer a fundo o que cada um quis transmitir quando escreveu a sua obra”.
“Nós somos o meio de comunicação. Isso para mim está acima de qualquer decisão que nos possa dar um primeiro ou nenhum prémio, ou seja, a música faz-se todos os dias”, sublinha.
“continuarei a seguir o caminho em que acredito”
A experiência de Samuel Bastos em concursos mostra dados curiosos: “tenho vários exemplos de amigos e colegas que quando fazemos concursos juntos umas vezes eu chego à final e eles não passam uma fase e, noutros, eu não passo uma fase e eles chegam à final, isto já me aconteceu muitas vezes”.
Porém, continuou a competir, “sempre pela música” e pelo interesse em expor a sua visão das obras perante os ouvintes: “se gostam muito bem, se não, continuarei a seguir o caminho em que acredito”.
A música não é um julgamento
Aconselha os jovens a participarem em concursos e “quanto mais jovens melhor”, mas com a consciência dos problemas que podem encontrar: “muitas vezes criam frustrações e desânimos desnecessários. Não pensem que a música é um momento onde pessoas vos julgam, não desistam de lutar pelos vossos sonhos e ambições, mas sempre com o objectivo de fazer boa música”.
E ainda mais importante, só competir se estiverem “muito bem preparados (tecnicamente, musicalmente e psicologicamente) ”. Caso contrário, “é melhor não ir, pois isso pode trazer muitos problemas. A sensação que podiam ter feito muito melhor mas não fizeram porque não estavam preparados pode ser muito penosa”.
“só aqueles que aguentam a pressão, stress, ansiedade, é que seguem em frente”
Para Samuel, a preparação de um concurso é “como um atleta de alta competição ou um Grand Slam”: “A probabilidade de errar é muito maior que correr como nós esperamos, por isso temos de estar a 200 por cento para que as coisas possam correr bastante bem. Todos os candidatos que se apresentam num concurso internacional têm sempre muita qualidade mas só aqueles que aguentam a pressão, stress, ansiedade, é que seguem em frente”.
As oportunidades podem surgir numa fase qualquer de uma audição, como exemplifica: “estão sempre outros músicos e oboístas a ouvir todo o concurso e muitas vezes não precisamos de ganhar para surgirem oportunidades. Em 2011, no Concurso ARD de Munique cheguei à segunda fase e depois não passei à semi-final, mas a minha prestação na segunda fase levou-me a receber um convite para tocar primeiro oboé na Ópera de Frankfurt”.
“temos de estar muito orgulhosos dos nossos conservatórios, academias, escolas profissionais e universidades”
“Ser premiado num concurso de oboé em Portugal ou no estrangeiro é totalmente diferente”, diz. “Os concursos em Portugal, normalmente, são nacionais ou seja só se apresentam oboístas portugueses. No estrangeiro, normalmente, são internacionais, ou seja, vêm pessoas de todo o mundo fazer o concurso. Um concurso de oboé de dimensão internacional actualmente é muito exigente e competitivo, o nível de oboé no estrangeiro é elevadíssimo”, explica.
Mas a qualidade dos portugueses não fica atrás: “O facto de muitos portugueses serem premiados e ocuparem lugares de relevo em excelentes orquestras é um sinal que também o trabalho feito dos nossos conservatórios, academias, escolas profissionais e universidades deram muitos frutos. Temos de estar muito orgulhosos disso e continuar esse caminho”.
“em Portugal, o Oboé tem vindo a ter uma evolução significativa”
Em Portugal, acha que “o Oboé tem vindo a ter uma evolução significativa”. No entanto, em relação a outros instrumentos “ainda tem muitas pernas para andar”. Acredita que “muitos jovens oboístas de dez, onze, doze, treze anos, vão ser excelentes músicos e oboístas, daqui a uns anos”.
“Quando comecei a aprender oboé aos dez anos de idade era quase um crime, normalmente começavam com outros instrumentos e depois, mais tarde, é que mudavam. Com o tempo, perceberam que é um instrumento muito difícil e que quanto mais cedo começarem, melhores resultados terão no futuro”.
Louva “o trabalho notável” da parte dos professores de oboé na divulgação, trabalho e dedicação do instrumento: “Acreditem, vamos ver esses frutos mais cedo ou mais tarde”.
“O que vão fazer todos esses jovens músicos?”
A evolução o Oboé em Portugal acompanha “uma evolução musical tremenda”. Outros problemas surgem: “O que vão fazer todos esses jovens músicos?”. Samuel Bastos diz que “é necessário criar oportunidades, muitas delas com custos baixos”. Defende que “as nossas orquestras e escolas devem estar mais próximas dos estudantes e dos jovens que querem e procuram trabalho”.
“Temos orquestras que deveriam adoptar um sistema muito comum no centro da Europa como é o caso das academias de orquestra e de estagiários, tal como qualquer outra profissão. Muitas vezes as orquestras têm muitas despesas com os reforços e gastam muito dinheiro nesse tipo de trabalhos. Deveriam, antes, fazer audições nacionais para recrutar jovens músicos; o vencedor ganharia uma pequena bolsa de estudo (com o dinheiro que pagariam aos reforços). Os solistas da orquestra dariam formação aos nossos jovens, que ganhariam também experiência em orquestra. Para a orquestra seria mais rentável e teria um leque maior de músicos sempre disponíveis”, exemplifica.
Em relação aos estagiários, sugere que as escolas “deveriam fazer protocolos, para levar os seus melhores alunos às orquestras, onde podem tocar programas menos exigentes e com um cachet simbólico, ao contrário dos academistas que estariam todo o ano na orquestra como membros”.
“Não podemos ficar em casa à espera que nos chamem para concertos”
Outro problema que aponta é “um défice” da parte dos nossos intérpretes na divulgação do seu trabalho: “Não podemos ficar em casa à espera que nos chamem para concertos. Criticamos sempre as entidades por não conhecerem o nosso trabalho mas, muitas vezes, a culpa é nossa por não irmos até eles. Se não o fizermos, não vamos ter concertos e trabalho”.
Faltam agências de músicos que façam o trabalho de divulgação: “temos de ser nós próprios a enviar propostas às câmaras municipais, aos teatros, às salas de concertos etc. Nos dias de hoje, com a informação que existe com os meios de divulgação (facebook, website, youtube…) que temos ao nosso dispor, não há desculpa para ficarmos sentados à espera de propostas”.
“Temos mais músicos, mais pessoas interessadas em música, mais público em geral, é o momento de por as coisas a andar e ter-mos esperança num futuro musical melhor para o nosso país”.
“a música não tem fronteiras e não deve ter uma bandeira”
Samuel faz parte do cada vez mais crescente número de músicos que emigram à procura de mais e melhores oportunidades. Começou por fazer a licenciatura na Universidade das Artes em Zurique, depois o Mestrado e, por fim, o emprego na Orquestra da Ópera da mesma cidade. Estar fora não o incomoda já que vê a música de forma universal: “a música não tem fronteiras e não deve ter uma bandeira, está acima de tudo isso”.
O facto dos músicos portugueses construírem carreiras bem-sucedidas no estrangeiro é muito positivo: “Tenho ouvido, de amigos e colegas, elogios aos portugueses que estão a começar a entrar no panorama musical mundial. É um feito notável que devemos apoiar e estar orgulhosos”.
A situação geográfica de Portugal, afastado do centro da Europa, “onde tudo se passa e mais rapidamente”, não tem permitido o desenvolvimento de uma forte cultura musical. Com efeito, “ter o nosso país representado nesse meio é muito positivo e inspirador para novos talentos”.
“Tentem buscar a vossa identidade musical, não queiram imitar ninguém”
Aos novos talentos deixa alguns conselhos: “ser muito humilde, estudar muito, com lógica, saber estudar e preparar sobretudo concursos ou audições de orquestra; fazer audições para orquestras de jovens de qualidade, academias de orquestras e audições para uma orquestra”. O melhor prémio musical é “trabalhar todos os dias numa grande orquestra com excelentes pessoas, colegas, músicos, maestros e solistas. É a melhor escola que podem ter, ou seja, não é ter um diploma em casa pendurado à parede com um prémio”.
Encontrar um professor e uma escola de qualidade é, também, “muito importante, determinante para o que se possa conseguir no futuro”. A originalidade ainda faz a diferença: “Tentem buscar a vossa identidade musical não queiram imitar ninguém, devem ser vós próprios, acreditar sempre em vós. Sei que é muito difícil nos dias de hoje, mas devem sempre acreditar, lutar e trabalhar muito pelos vossos sonhos e objectivos”.
Para mais informação consulte a página oficial do concurso.
Página oficial de Samuel Bastos - http://www.samuelbastos.com/