Sandra Bastos
Bruno Costa é percussionista solista da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música há 20 anos, com quem tocou a solo, em outubro de 2020, Des canyons aux étoiles…, de Messiaen, sob a direção de Sylvain Cambreling. É também professor na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco (ESART). Nesta entrevista, partilha o que significa ser percussionista numa orquestra sinfónica, como se comunica através de gestos mínimos e o que o move a persistir, ensinar e transformar através da arte.
Experiência na Orquestra Sinfónica do Porto
“fui aprendendo a escutar melhor, a intervir com mais rigor”
Para Bruno Costa, ingressar na Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música foi, “mais do que um marco profissional, a assunção de um compromisso com a excelência, uma jornada de maturação artística e humana”.
“Ao longo dos anos, fui aprendendo a escutar melhor, a intervir com mais rigor e a integrar-me num todo que exige não apenas competência, mas empatia. A orquestra mudou, cresceu, e eu com ela”.
os maiores desafios de ser percussionista numa orquestra sinfónica
“Mais do que tocar bem, é preciso funcionar como um só corpo, com comunicação não-verbal, consciência rítmica e atenção ao gesto do maestro.”
O maior desafio para um percussionista numa orquestra sinfónica é gerir a enorme “diversidade instrumental e a complexidade logística”: “Cada peça pode exigir dezenas de instrumentos diferentes e a coordenação entre os elementos do naipe tem de ser precisa. Mais do que tocar bem, é preciso funcionar como um só corpo, com comunicação não-verbal, consciência rítmica e atenção ao gesto do maestro. A adaptabilidade e o trabalho de equipa são essenciais”.
Outro grande desafio “é talvez o equilíbrio entre a voz individual e a missão coletiva. É um exercício constante de escuta, flexibilidade e entrega. A exigência está também na regularidade — sermos excelentes não uma vez, mas todos os dias, independentemente do cansaço ou do repertório.”
a comunicação dentro do naipe
“Existe uma linguagem gestual e visual muito própria: olhares, respirações, gestos mínimos.”
No naipe de percussão a comunicação é fundamental e tem várias especificidades: “Existe uma linguagem gestual e visual muito própria: olhares, respirações, gestos mínimos. Essa comunicação silenciosa é essencial para a precisão e fluidez da execução, sobretudo quando se partilham instrumentos ou entradas críticas.”
o dia a dia de um músico numa orquestra sinfónica
“A dificuldade reside na gestão do tempo e da energia”
O dia a dia numa orquestra é “exigente, feito de ensaios, estudo individual, concertos e, muitas vezes, ensino. "A dificuldade reside na gestão do tempo e da energia", explica.
Por outro lado, a maior recompensa “é o momento em que a música se revela, irrepetível, no palco, diante do público. É aí que tudo ganha sentido.”
Memórias como solista, sobre Messaien e Bernard Haitink
Bruno Costa aponta vários momentos que “marcaram profundamente” o Seu percurso: “Destaco a interpretação de Des Canyons aux étoiles... de Olivier Messiaen, como solista com a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, sob a direção de Sylvain Cambreling — uma obra exigente, de grande profundidade espiritual.”
“Igualmente marcante foi a participação, em abril de 2023, na interpretação de La Transfiguration de Notre Seigneur Jésus-Christ de Messiaen com a Orquestra Gulbenkian, sob a direção de Myung-Whun Chung.”
“E ainda as experiências com a Orquestra de Jovens da União Europeia, particularmente a interpretação de Mahler com Bernard Haitink e a participação no concerto inaugural do Megaron, em Atenas, com James Conlon. Cada um destes momentos deixou marcas duradouras na minha forma de estar na música.”
qualidades essenciais para um músico sobreviver e crescer numa orquestra
“o que sustenta uma carreira é a constância, a ética de trabalho e a capacidade de contribuir para o coletivo sem apagar a individualidade”
Como qualidades essenciais para um músico sobreviver numa orquestra refere a “disciplina, escuta, adaptabilidade e espírito de equipa”, frisando que “o talento é apenas o início — o que sustenta uma carreira é a constância, a ética de trabalho e a capacidade de contribuir para o coletivo sem apagar a individualidade”.
repertório que mais o entusiasma
“muitas vezes a força dramática de uma obra depende de um gesto percussivo preciso e expressivo”
“Mahler, Stravinsky e Bartók são compositores que me mobilizam profundamente. A intensidade emocional, a complexidade rítmica e a força simbólica das suas obras exigem uma entrega total — física, técnica e espiritual”, sublinha.
Elogia ainda o papel da percussão na música contemporânea: “deixou de ser um elemento de reforço para assumir um papel central. Compositores exploram a sua riqueza tímbrica, teatralidade e espacialidade. No repertório tradicional, embora com funções diferentes, a sua importância é indiscutível — muitas vezes a força dramática de uma obra depende de um gesto percussivo preciso e expressivo. Ambas as dimensões são complementares e enriquecem-se mutuamente”, acrescenta.
momentos de frustração ou dificuldades na profissão
“a frustração faz parte do caminho”
Para o percussionista, “a frustração faz parte do caminho”: “Houve momentos em que a exigência técnica, o desgaste físico ou a pressão emocional foram desafiantes. Mas foram esses momentos que mais me ensinaram: sobre humildade, persistência e o valor de continuar mesmo quando o entusiasmo vacila.”
mudanças no meio orquestral português
“Há espaço para inovação, sim, mas ela precisa de ser sustentada por políticas culturais consistentes e de longo prazo”
“Tem havido um claro aumento na qualidade das orquestras e na formação dos músicos. Nota-se também uma maior abertura ao repertório contemporâneo”, destaca.
Por outro lado, os desafios são estruturais, “nomeadamente ao nível do financiamento, da valorização institucional e da estabilidade das carreiras. Há espaço para inovação, sim, mas ela precisa de ser sustentada por políticas culturais consistentes e de longo prazo”.
conselhos aos jovens músicos que sonham tocar numa orquestra
“Que saibam escutar, colaborar e persistir — e que, mesmo diante das dificuldades, nunca percam o sentido do porquê começaram.”
Aos jovens músicos aconselha a “que estudem com paixão, mas também com paciência. Que valorizem o processo tanto quanto o resultado. Que saibam escutar, colaborar e persistir — e que, mesmo diante das dificuldades, nunca percam o sentido do porquê começaram.”
Se tivesse de descrever, em poucas palavras, o que mais o emociona em tocar numa orquestra, o que diria?
“O poder de construir, em conjunto, algo maior do que nós — e de o partilhar com quem nos escuta.”
Apanhado pela Percussão
“A escolha da percussão foi natural: havia nela uma fisicalidade e uma expressividade que me fascinavam”
Bruno Costa não escolheu a percussão, terá sido antes a percussão a escolhê-lo: “A percussão surgiu como um chamamento. Na minha freguesia natal, Loureiro, em Oliveira de Azeméis, existe uma banda filarmónica que teve um papel determinante no meu percurso. Foi através dela que tive o primeiro contacto com a música. A possibilidade de integrar um coletivo musical desde tenra idade despertou em mim uma curiosidade que rapidamente se transformou em paixão. Escolhi-a, talvez, porque me escolheu primeiro.”
Os mestres Miquel Bernat e Rainer Seegers
Durante o seu percurso, teve o privilégio de “aprender com músicos excecionais”, como Miquel Bernat e Rainer Seegers, este último timpaneiro da Orquestra Filarmónica de Berlim durante décadas: “influenciou de forma determinante a minha visão do som e da precisão musical. Ambos me ensinaram a valorizar o detalhe, a intenção e a escuta com profundidade, tanto na técnica como na expressividade. Porque “a arte constrói-se de encontros e mestres”.
O professor Bruno Costa
“a importância da escuta, da preparação rigorosa e da generosidade”
Como professor, procura transmitir aos seus alunos “a importância da escuta, da preparação rigorosa e da generosidade”, para “que saibam trabalhar em equipa, que respeitem a música e os colegas, e que cultivem uma ética de excelência sustentada na humildade e no compromisso.”
Clap Duo e o duo Surreal
É membro fundador de vários projetos como o Clap Duo e o duo Surreal. Com a música de câmara, aprendeu “a escutar de forma mais fina, a negociar ideias, a ser autónomos e responsáveis”.
“Essas competências transbordam naturalmente para o trabalho orquestral. A consciência do detalhe e do diálogo entre vozes é algo que transporto sempre para o contexto sinfónico”, afirma.
O futuro de Bruno Costa
“Acredito que a arte pode (e deve) transformar.”
No futuro, Bruno Costa gostaria de “aprofundar o cruzamento da percussão com outras linguagens artísticas — como o teatro, o vídeo e a dança — e de continuar a desenvolver projetos pedagógicos que levem a música a contextos menos favorecidos”: “Acredito que a arte pode (e deve) transformar.”