Em Orquestra - Álvaro Pereira

“é essencial que o concertino consiga ser flexível o suficiente para transmitir a visão do maestro sem sacrificar a identidade da orquestra”.

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Sandra Bastos

  • Álvaro Pereira
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Álvaro Pereira é um dos concertinos da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, desde setembro de 2019. Assume o papel de ligação entre o maestro e os músicos, equilibrando técnica, sensibilidade e liderança. Nesta entrevista, o violinista reflete sobre os desafios do seu ofício, a intensidade dos bastidores de uma orquestra profissional e a responsabilidade de manter viva — e acessível — a paixão pela música clássica em Portugal.

 

 

o papel do concertino

 

“Um bom concertino deve ser capaz de interpretar e antecipar o que a orquestra necessita”

 

Para Álvaro Pereira, o papel de concertino é central na orquestra e “vai muito além da excelência técnica e artística”: “significa ser o elo entre a orquestra e o maestro, assegurando que a visão artística deste seja transmitida de forma clara e eficaz aos músicos”.

 

“Implica também ter a sensibilidade para perceber as necessidades dos colegas, tanto a nível musical como pessoal. Um bom concertino deve ser capaz de interpretar e antecipar o que a orquestra necessita em cada momento, transmitindo confiança e segurança através da sua liderança. É uma referência não só em termos técnicos, mas também como exemplo de profissionalismo, disciplina e dedicação”, sublinha.

 

 

 

maiores desafios técnicos e humanos

 

“É preciso inspirar confiança sem ser autoritário”

 

São vários os desafios que o concertino de uma orquestra enfrenta, como a procura de “um equilíbrio entre as diferentes valências e responsabilidades”: “Saber destacar-se sem deixar de se integrar no coletivo. É preciso inspirar confiança sem ser autoritário, garantindo que o naipe e a orquestra se mantêm unidos e coesos.”

 

“A responsabilidade de ser a “voz” da orquestra pode ser emocionalmente exigente. Lidar com críticas, expectativas e eventuais tensões internas requer maturidade emocional e resiliência”, explica.

É igualmente necessária a flexibilidade, tendo em conta que “cada músico tem a sua própria forma de interpretar o repertório, e o concertino deve ser capaz de ouvir, compreender e, quando necessário, mediar, preservando o espírito de equipa sem comprometer a integridade artística”.

 

 

diálogo entre o concertino, a orquestra e o maestro

 

“é essencial que o concertino consiga ser flexível o suficiente para transmitir a visão do maestro sem sacrificar a identidade da orquestra”

 

“Traduzir a visão artística do maestro de forma clara e precisa para os músicos exige não apenas uma técnica impecável, mas também sensibilidade e diplomacia. Cada gesto, arcada ou olhar pode influenciar a interpretação da orquestra. Cada maestro é diferente, e é essencial que o concertino consiga ser flexível o suficiente para transmitir a visão do maestro sem sacrificar a identidade da orquestra”, explica.

 

Com efeito, esse diálogo “começa semanas começa semanas antes do primeiro ensaio com a orquestra completa”. O concertino contacta o maestro “para compreender a sua visão relativamente ao repertório”: “Assim, posso ajustar as arcadas em função das suas ideias.”

 

 

dia a dia de um músico numa orquestra profissional

 

“Um concerto não é apenas um momento de prazer artístico — é também um momento de alta tensão”

 

“O dia a dia de um músico de orquestra profissional é muito mais exigente e multifacetado do que o público geralmente imagina. Embora o público veja apenas o resultado final no palco, o trabalho começa muito antes. Cada músico passa horas a preparar o repertório em casa ou na sala de estudo, enfrentando passagens tecnicamente desafiantes, interpretando partituras complexas e mantendo o nível técnico”, afirma.

 

Outra dimensão fundamental no trabalho de um músico é a preparação física: “Muitos músicos integram rotinas de alongamentos, exercícios posturais e técnicas de relaxamento para evitar lesões e gerir a tensão acumulada.”

 

No mesmo sentido, a pressão psicológica e emocional que os músicos enfrentam é comparável à de um atleta de alta competição: “Um concerto não é apenas um momento de prazer artístico — é também um momento de alta tensão. A expectativa de tocar sem erros, a necessidade de manter a concentração durante longos períodos e a exposição constante ao julgamento do público e dos colegas geram um nível de stress considerável.”

 

 

dificuldades e compensações

 

“não consigo imaginar melhor recompensa do que partilhar o palco com os meus colegas da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música”

 

As dificuldades ou momentos de frustração são ultrapassado segundo uma máxima: “aprender todos os dias com os meus colegas, com os maestros e com todas as pessoas que me rodeiam. Há sempre algo a melhorar e a aprender.”

 

Por outro lado, a profissão traz compensações inesquecíveis: “já vivi momentos de grande elevação artística e até espiritual ao interpretar sinfonias de Bruckner, um compositor que estimo especialmente”.

 

Aos mais jovens, o violinista aconselha a “que trabalhem com toda a força que têm e que nunca desistam dos seus sonhos”: “Ser músico exige muita dedicação, mas não consigo imaginar melhor recompensa do que partilhar, semana após semana, o palco com os meus colegas da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Sou profundamente grato por isso.”

 

 

mudanças no meio orquestral português

 

“devemos estimar o público e fomentar o gosto pela música clássica em todas as pessoas”

 

Para Álvaro Pereira, “há sempre espaço para a mudança, especialmente se for para melhor”, e que as orquestras devem orientar o seu trabalho para o público: “Acredito que devemos estimar o público e fomentar o gosto pela música clássica em todas as pessoas, sem exceção. A música é para todos e deve ser acessível a todos, tanto a nível social — facilitando o acesso a concertos — como a nível intelectual.”

 

“Tenho a certeza de que há centenas de milhares de pessoas em Portugal que nunca ouviram, por exemplo, uma sinfonia de Tchaikovsky ao vivo. É um sinal de que estamos a falhar na forma como pensamos o propósito da música clássica e a função das instituições, que, na minha opinião, deveriam, acima de tudo, servir o público de Portugal”, sublinha.

 

E vê o futuro com muito otimismo: “acredito que há agora uma maior consciência do que é necessário fazer para garantir o futuro brilhante que a cultura em Portugal merece.”

 

 

 

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