Marco Pereira, Violoncelo

"No mundo da música é tudo muito passageiro e muito rápido. Por isso, nós temos que construir a cada dia a nossa carreira."

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Sandra Bastos

  • Marco Pereira
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Deixou de liderar os violoncelos da Metropolitana, onde estava efectivo, para apostar um contrato temporário de três anos como Tutti na Gulbenkian: “achei que valia a pena tomar esse risco porque achei que ia ganhar muito em termos artísticos”.

Entretanto surgiu a prova para co-principal, “uma oportunidade de ouro” para Marco Pereira: “Coloquei uma gigante pressão em cima, estudei imenso... Mas a pressão foi tanta que depois, no final, quando me disseram os resultados eu comecei a chorar - foi uma descompressão total”.

 

 

Da Capo (DC) - Não te arrependeste de deixar a Metropolitana?

Marco Pereira (MP) - Em nenhum momento. Mesmo quando foi o ano de experiência, quando tive os contratos temporais, nunca me arrependi de ter deixado. Achei que foi um passo em frente.

 

 

DC - São poucos os portugueses a conseguir chegar a chefe de naipe?

MP - Nas cordas cada vez é mais difícil, porque o nível começa a ser cada vez mais elevado, há menos trabalho, portanto cada vez há menos gente e há muitos “mais cães só para um osso”, como se costuma dizer. O nível tem de ser cada vez melhor e a exigência é gigantesca.

E depois as provas, às vezes, são uma lotaria porque temos de estar num dia inspirado. Muitas vezes um músico vai a um concerto e há muitas coisas que se vê com os olhos, ou seja, ouvir não é suficiente, mas quando se tem a cortina tudo isso desaparece e analisa-se só o que se ouve. Acho que é muito sério mas, por outro lado, para quem gosta tanto de tocar e do palco perde-se imenso com isso.

 

 

DC - Estudaste no estrangeiro. Por que voltaste?

MP – Voltei porque quis e porque tinha mesmo muitas saudades de Portugal. Tinha a minha vida totalmente daqui. Na altura tinha, inclusive, uma namorada espanhola que, entretanto, foi para Berlim estudar.

Decidi voltar para cá porque gosto muito de Portugal e tinha imensas saudades. Chegaram-me a oferecer um trabalho em Madrid, no Teatro Real, onde o Maestro Lopez Coboz dirigia. Ele disse que gostava que eu fosse para lá trabalhar, com contrato temporário, mas eu tinha acabado de estudar e senti um feeling para voltar.

Além disso, tenho uma ligação gigante com a minha família, nós somos mesmo muito ligados, especialmente eu e os meus irmãos [Ana Pereira (violino), José Pereira (violino) e Márcio Pereira (clarinete)]. Somos quatro, que eu saiba (risos).

 

 

DC - Ganhaste o prémio de melhor violoncelista do curso na Rainha Sofia. Surgiram mais oportunidades ou convites?

MP - Sim, na Rainha Sofia quando me deram o prémio de melhor aluno de esse ano, deram-me as bolsas, com tudo pago, e tive a oportunidade de gravar um cd para a Sony, a Sonata de Beethoven em Ré Maior. Claro que isso deu-me alguma projeção! Nesse ano, também coincidiu ganhar um concurso na Áustria, que teve alguma repercussão na minha carreira.

Mas no mundo da música é tudo muito passageiro e muito rápido. Há imensos concursos, ganhas um concurso e lembram-se de ti, mas de um momento para o outro esquecem-se. Por isso, nós temos que construir a cada dia a nossa carreira. Antigamente havia muitos menos concursos e até mais interessantes com que se podia fazer carreira, mas hoje acredito que não é assim. Especialmente haverá dois ou três concursos no mundo que podem fazer carreira mas de resto é só mesmo para a experiência.

 

 

DC - Achas importante fazerem-se concursos?

MP - Acho sem dúvida, porque nós trabalhamos muito de estímulos, e acho que um concurso é um estímulo. Além disso é, como vemos no mundo da música, uma competição feroz, não por ser o melhor mas para mostrarmos aquilo que fazemos. É a única hipótese das pessoas nos reconhecerem, ou seja, é assim que somos reconhecidos.

Nós, músicos, não somos máquinas e acontece num concurso correr tudo bem e ganharmos um 1º prémio, e noutro concurso logo a seguir não passamos sequer da 1ª ronda.

 

 

DC - A nível psicológico o nível de preparação é muito duro?

MP - É gigante, é uma pressão enorme. Acho que há dois fatores: a carga que pomos a nós próprios e o lado de fora onde as pessoas comentam a tua situação.

Quando disse que queria fazer a prova para a Gulbenkian muita gente dizia: “esse lugar é teu…”. Isso cria uma pressão gigante, que é muito pior do que se ninguém soubesse que eu tinha a possibilidade de ganhar o lugar.

Acredito que a maioria das vezes pode ser uma pressão saudável, mas acaba por ser uma pressão.

 

 

DC - Mesmo tocando em concerto é preciso ter uma capacidade psicológica forte?

MP - Sim é. Lembro-me quando estudava na Profissional de Viana, fazíamos muitos concertos. Eu tinha um trio com a Sílvia Cancela e com o Jano Lisboa. Na altura, era um meio musical importante para Viana do Castelo e não havia muito mais do que isso, então havia muitos sítios que pediam para fazerem concertos e o meu trio ia sempre tocar.

A nossa diretora Carla Barbosa dizia: “vocês tocam concertos já como quem bebe um copo de água”. A verdade é que isso ajudou imenso, porque quanto mais tocamos, mais natural fica para nós tocar em concertos. Sinto uma pressão mas ao mesmo tempo há aquela adrenalina que é muito importante e sabe bem.

 

 

DC - Consegues ter muitos concertos em Portugal?

MP - Alguns. Tenho recebido uns convites, este ano vou tocar duas vezes. Uma em Aveiro nos Festivais de Outono, no concerto de encerramento onde vou tocar o “Dom Quixote” de R. Strauss, e depois no aniversário da Metropolitana em Junho, onde vou tocar o Duplo de Brahms com a minha irmã.

Geralmente são recitais com piano, outras vezes com orquestra… Ainda consigo ter alguns, mas não há assim tantos concertos. Além disso Portugal peca ainda um bocadinho pela pouca aposta nos artistas portugueses. Acredito que isto está a melhorar, mas temos ainda um bocado essa visão de que o que é estrangeiro continua a ser melhor do que é português, o que não faz sentido.

 

 

DC - Mesmo depois de estas provas todas que o português tem dado?

MP - Sim, acredito que agora no meio das grandes salas isso comece a mudar porque as pessoas estão muito mais abertas e conhecem muito melhor o panorama musical, mas acredito também que ainda há gente que ainda não sabe que em Portuga já há um nível muito bom.

 

 

DC - Consegues ter uma carreira internacional?

MP - Uma carreira internacional é muito difícil de manter quando assumi claramente que me queria dedicar muito ao quarteto [Quarteto de Cordas de Matosinhos] e à orquestra. Tento fazer o máximo que posso a solo mas a partir do momento em que a minha vida funciona mais a partir quarteto e da orquestra, a minha carreira de solista funciona melhor por convites e não pela minha publicidade. Além disso, hoje em dia os agentes são uma parte muito importante de um solista e eu não tenho agente.

 

 

DC - Quais são as tuas expectativas em relação à digressão europeia do Quarteto?

MP - É difícil falar de expectativas, mas olhando para as salas onde vamos tocar, acho que podemos imaginar as melhores expectativas, imaginamos que podemos fazer um ótimo trabalho e ótimos concertos.

Geralmente estes rising starts são próprios para relançar a carreira dos artistas, grupos, não só quartetos mas também de outras formações, e até os próprios agentes e diretores de salas vão ouvir esses concertos para ver se encontram algum artista para relançar a carreira. Por isso, acredito que isto vai ser o relançamento da carreira do quarteto.

Vai ser uma digressão super importante, e é o momento em que nós realmente nos podemos focar exclusivamente no quarteto.

 

 

DC – Com agendas tão complexas, onde é que ensaia o Quarteto de Cordas de Matosinhos?

MP - Ensaiamos onde podemos! (risos) Já nos disseram que, às vezes, nós ensaiamos na A1! Não é uma crítica mas já nos comentaram isso mais do que uma vez, tendo em conta as nossas vidas.

Eu trabalho em Lisboa, o Juan também, o Vítor no Porto e em Lisboa, na Esmae e no Projeto Geração, e o Jorge trabalha no Porto e vive em Braga; e as pessoas veem isso e perguntam: “Como é que fazem? Ensaiam na A1? Não ensaiamos na auto-estrada mas quase”.

 

 

DC - E têm uma caravana própria?

MP – Exato, isso seria o ideal! (risos)

 

 

DC – Já destes aulas na Universidade do Minho e em Aveiro. Por que deixaste o ensino?

MP – Porque, acima de tudo, eu gosto muito de tocar e achei que dar aulas estava-me a tirar um tempo que posso usar mais para tocar e também para descansar. Era super cansativo fazer uma viagem todas as semanas a Braga, e era o único dia livre que tinha por semana. Gosto muito de dar aulas, mas achei que não era o momento ainda.

 

 

DC - Que tipo de experiência retiraste do ensino?

MP - Dei aulas em Braga durante dois anos, e depois em Aveiro mais um. A experiência foi muito boa porque uma pessoa enriquece muito a todos os níveis. Nós próprios, dando aulas aprendemos imenso, aprende-se a conhecer as pessoas, que cada pessoa tem a sua aprendizagem porque tanto o nível de exigência como a abordagem têm de ser totalmente diferentes. A própria abordagem que nós temos de ter de cada obra, tem de ser totalmente diferente e acho que isso ajuda imenso.

 

 

DC - E em relação aos alunos de agora, notas diferença no nível em relação a quando estavas a estudar?

MP - Nota-se alguma diferença embora desde que eu fui aluno até agora passou muito pouco tempo, mas sim, já se nota alguma diferença.

Depende também das cidades por exemplo, em Lisboa, há muitos meios e muitas formas de trabalhar e de se fazer reforços em orquestra, e em Braga isso quase não existe. A única orquestra que existe perto de Braga é a do Porto, e é muito difícil as pessoas irem lá fazer reforço, por isso dedicam-se muito mais ao ensino e menos ao instrumento. Mas eu compreendo perfeitamente que as pessoas precisam de ganhar dinheiro para os estudos e muitas pessoas não têm poder económico, tal como eu não tinha.

Mesmo na minha altura, nós eramos quatro irmãos, não tínhamos possibilidades económicas e vivemos sempre à base de bolsas, eu próprio tive uma bolsa da Câmara Municipal de Caminha, que me ajudava para pagar as propinas e a minha residência em Lisboa. Portanto, as pessoas precisam mesmo desse lado económico, e o ensino é cada vez menos apoiado, por isso as pessoas têm de fazer por isso.

 

 

DC - Que perspetivas de futuro eles têm? Têm saída? Achas que a produção de músicos é excessiva?

MP - Eu acho que trabalhar aqui ou em França é a mesma coisa mas acho que estamos a ter duas coisas que não são muito boas. A primeira é que o nível de exigência não é muito bom e acaba por se notar principalmente no ensino médio.

As pessoas acabam o ensino superior e se não acabarem, por exemplo, na Escola Superior de Música do Porto, podem acabar noutra universidade onde o nível de exigência é mais baixo. No entanto, o nível de diploma é considerado igual. Esses licenciados não têm um nível tão alto como noutra escola, mas podem dar aulas na mesma, portanto o ensino vai perder.

Por outro lado, acho que as pessoas de qualidade também estão a ir para fora porque aqui não são tão apoiadas, trabalham demasiado e recebem pouco. Além disso, não são considerados muito bons no que fazem, mas lá fora são reconhecidos.

Há muitos exemplos de músicos que aqui, em Portugal, estariam a dar aulas mas lá fora estão a triunfar como é o caso do músico excecional Jano Lisboa (viola), que é chefe de naipe na Filarmónica de Munique, uma das orquestras mais importantes do mundo.

São exemplos de músicos que têm de apostar na carreira no estrangeiro, primeiro porque querem mais, mas acima de tudo sabe-se perfeitamente que aqui em Portugal não existe essa visão de apostar no que é nosso.

 

 

DC - O que gostavas de mudar no nosso panorama musical?

MP - Acho que se mudássemos a nossa mentalidade e começássemos a apostar muito mais no que é português, tenho a certeza que iríamos crescer muito.

Iriam perceber que temos coisas muito boas em Portugal, economicamente ia ser muito melhor para o país. Temos que começar todos a trabalhar com o que temos cá em casa, porque se formos buscar fora, vai ficar mais caro e não é garantidamente melhor.

Por exemplo, a Orquestra XXI é feita com músicos portugueses que estão lá fora e dá para ouvir a qualidade que existe nessa orquestra e, embora as pessoas possam criticar e dizer que não é uma orquestra, e claro que não é uma orquestra, são músicos que se reúnem por prazer para fazer música e não têm a solidez de uma orquestra de trabalho de todas as semanas, mas já deu para mostrar realmente o valor que existe em Portugal, porque são portugueses!

Ninguém se pode esquecer disso, que eles estão a trabalhar lá fora porque quiseram evoluir como músicos e como instrumentistas, e foram à procura de melhores empregos e melhor reconhecimento.

 

 

DC - Como é que que começaste aprender e como foi o caso mágico dos irmãos Pereira?

MP - Todos ganhámos o Prémio Jovens Músicos exceto o meu irmão Márcio, que ainda hoje o considero de todos os irmãos o mais talentoso porque ele sim, era um génio. Era e é. Tem uma cabeça excecional, tem aptidões musicais que acho que nenhum de nós tem, mas a cabeça é que não o acompanhou, porque foi durante muito tempo bastante mais preguiçoso e aguentou até o talento deixar.

O talento é super importante mas chega uma altura em que não chega e é preciso trabalho. Agora está a fazer uma coisa que realmente gosta muito que é luthier e aí vejo-o totalmente empenhado nos instrumentos de sopro.

Com os outros meus irmãos, a Ana e o Zé, as pessoas começaram a dizer nós éramos uma família muito rara. Houve uma altura em que uma estudante de uma universidade de Viana do Castelo se lembrou de fazer um estudo e fazer uma série de perguntas a todos os irmãos, para saber se havia alguma coisa no nosso ADN ou o um segredo para este sucesso.

Eu acho que não há segredo nenhum, acima de tudo nós vimos duma família super humilde. Tudo o que conquistamos foi devido a muito esforço nosso e dos meus pais, que fizeram um esforço gigantesco com possibilidades mínimas económicas e deram absolutamente tudo pelos filhos a todos os níveis, instrumentos que são caríssimos, acompanhar-nos a todo lado… As dificuldades que passámos em termos económicos, fizeram de nós pessoas mais sensíveis e capazes de perceber que tudo o que temos é valorizado, muito mais importante.

 

 

DC - Tens tocado com eles?

MP - Nós em Lanhelas, que é a nossa aldeia, quando estamos todos juntos, costumamos fazer todos os anos um ou dois concertos. É uma aldeia muito pequenina, toda a gente pergunta aos nossos pais quando é que nós vamos lá tocar novamente.

Infelizmente, a Câmara de Caminha tem pouco dinheiro e não consegue investir em concertos, por isso fazemos nós, porque não nos esquecemos de onde vimos - é importante manter essa ligação.

Cada vez vou menos a Lanhelas porque a vida é cada vez mais apertada, mas sempre que posso vou, porque estão lá os meus pais, os meus avós e gosto de estar com eles.

 

 

DC - O que sentes quando tocas com a tua irmã, por exemplo, como aconteceu nos Dias da Música e vai voltar a acontecer no Aniversário da Metropolitana no próximo mês de Junho?

MP - É diferente, porque eu tenho um quarteto de cordas em que nenhuma das outras pessoas é da minha família e entre tocar com eles e com ela é uma diferença gigante porque nos conhecemos muito bem, enquanto que no quarteto, às vezes temos de combinar absolutamente tudo.

Quando toco com a minha irmã, parece que sentimos da mesma forma, é muito mais fácil de tocar e isso nota-se perfeitamente. Quando tocámos nos Dias da Música, a melhor crítica das pessoas era exatamente isso, que se via perfeitamente que nos entendíamos às mil maravilhas. Somos do mesmo sangue e isso, parecendo que não, faz muita diferença.

 

 

DC - Quais os momentos que destacas como mais importantes na tua carreira?

MP - Começo pelo início, ainda hoje digo que comecei numa banda de música, e acho que muito do panorama musical português deve-se às bandas porque são a primeira escola que nós temos. Nem toda a gente tem a oportunidade de estar numa escola como um conservatório com ensino gratuito, por isso as bandas atuam como uma introdução na música que faz as pessoas crescerem auditivamente.

Uma pessoa marcante que me começou a ensinar a ler música foi o professor Cesário, um músico da banda que também dava aulas de música às crianças da aldeia. No início, nós íamos para as aulas de música com o objetivo de ir depois jogar futebol - era a única forma de sairmos de casa. Foi aí que comecei a ter essa ligação com a música, foi um momento muito importante.

Depois aprendi a tocar na banda e nas escolas por onde andei, passei bons momentos que me marcaram, mas neste momento, se há uma pessoa na música que me marcou e que me ajudou imenso foi o Paulo Gaio Lima. Ele apoiou-me em tudo, ele sabia que os meus pais não tinham possibilidades, e desde que eu cheguei à escola, emprestou-me o violoncelo dele. Ainda é o violoncelo que toco atualmente porque foi tão especial para mim que tive de o comprar, mas só quando tive o contrato com a Metropolitana, já que nunca ele me pressionou nem pediu o violoncelo. Isto é só um exemplo mas há imensos. O Paulo Gaio Lima esteve sempre ao meu lado a todos os níveis. Não só me fascinou em termos artísticos e como pessoa, mas também na cozinha, onde é um artista.

 

 

DC – Mais momentos e pessoas decisivas?

MP - O Paulo foi um deles, e depois um momento em que tudo mudou na minha vida foi em Madrid na Rainha Sofia, onde estudei, na minha opinião, com a melhor professora do mundo - Natalia Shakhovskaya.

O Truls Mork é o solista que eu mais admiro, e um dia fui ouvir um concerto dele a Coimbra; no fim fui falar com ele e disse-lhe que ia estudar para a Rainha Sofia. Eu sabia que ele também tinha estudado com a Shakhovskaya e com a Natalia Gutman, e ele então disse: “vais estudar com a melhor professora do mundo”.

Também há outros professores que eu admiro e tenho uma enorme ligação: a Natalia Gutman e o Gary Hoffman. Três professores, três músicos, três violoncelistas que para mim deram-me muito. Gary Hoffman além de ser um músico excecional, é uma pessoa incrível, Natalia Gutman também, e a Shakhovskaya foi a pessoa com quem vivi mais de perto, mais tempo.

 

 

DC - Recebeste o prémio das mãos da Rainha Sofia de Espanha?

MP – Sim, foi muito importante para mim e para a minha mãe que tem uma ligação espanhola muito grande, isto é, a família dela vem de Espanha, portanto a minha mãe gostou muito, e os meus pais até foram a Madrid ver a entrega desse prémio, que era o diploma de ter sido o melhor aluno desse ano. São momentos assim importantes, também o concurso em Áustria que me balançou…

Em Portugal, sinto uma ligação muito grande com a Metropolitana, porque foi ali que cresci como músico, e independentemente de eu ter feito as provas para entrar como chefe de naipe, achei que estava a voltar a casa outra vez porque, para mim, a Metropolita, apesar de ter mudado muito, é uma casa que sempre me acolheu muito bem.

Lembro-me perfeitamente que quando comecei a estudar música, fui ouvir um concerto com a escola profissional numa viagem de estudo à Gulbenkian, e era o Itzhak Perlman a tocar o Beethoven. Penso que tinha 15 anos e aquilo para mim foi um esclarecimento. Na altura sonhei que um dia queria estar ali e hoje é verdade, hoje estou ali ao lado do chefe de naipe. Estando em Portugal, é absolutamente legítimo dizer que se queremos chegar a um sítio bom, é tocar na Orquestra Gulbenkian.

 

 

DC - Estás no auge da carreira?

MP – Sim, estou. Já há um ano dizia isto, quando acabei a Rainha Sofia também dizia o mesmo, por isso espero continuar a dizer isto todos os anos e chegar aos 70 anos a dizer que estou no auge da minha carreira.

 

 

DC - Próximos projetos?

MP - Este ano vai ser muito importante para o quarteto, que é um projeto com o qual me identifico imenso. Adoro fazer música de câmara e quartetos, o repertório de quarteto é possivelmente o repertório mais rico da história da música, as minhas obras preferidas são de música de câmara…

Apostar também no meu lugar na Gulbenkian, que é de imensa importância e um desafio muito bom para mim - adoro desafios. Desde o início, senti um grande apoio dos meus colegas, tanto dos violoncelos como da orquestra, e é muito bom trabalhar com pessoas que nos recebem assim, de braços abertos.

 

 

DC - Como é que se faz um músico? Que cuidados é que costumas ter?

MP - Um músico constrói-se à base de trabalho, não quantidade mas qualidade de trabalho, ou seja, a quantidade certa de trabalho mas com qualidade. Tem de se valorizar e respeitar tudo o que nos rodeia. Acho que isso é muito importante porque tudo o que está à nossa volta nos vai fazer melhores pessoas e melhores músicos.

Gosto muito de jogar futebol e fazer desporto. Penso que nós, músicos, passámos a vida em posições não muito normais ou muito tempo na mesma posição, por isso temos de ter um cuidado físico importante, especialmente com as costas. Sofremos imenso das costas e também tendinites, assim, devíamos ter mais cuidado com o aquecimento e também com o relaxamento no fim de trabalharmos. Tento sempre ter o máximo cuidado possível.

 

 

DC - Queres deixar algum conselho aos jovens músicos?

MP - O conselho que eu posso dar é que se uma pessoa acredita mesmo, independentemente dos obstáculos, tem de lutar até ao fim e tem de acreditar, lutar. Os obstáculos são experiências que temos e nos vão fazer mais fortes, temos de aprender com os nossos erros e ultrapassá-los, aproveitar isso para sermos melhores.

 

 

DC - Um sonho a realizar?

MP - Tenho ainda alguns sonhos que gostava de concretizar, gostava de cimentar ainda mais um a minha carreira de solista e fazer também um projeto com a minha namorada, a pianista Joana David - estamos a pensar fazer um duo. Temos uma química muito boa e acho que vai ser muito interessante.

 

 

DC – E desejo para Portugal?

MP - As pessoas têm que se lembrar que a cultura faz de nós melhores pessoas e faz o país evoluir. A Alemanha e a Suíça são países onde a cultura é astronómica e importantíssima, faz crescer a economia.

Quando temos de cortar não se pode pensar que a cultura tem de ser sempre a primeira, porque estamos a cortar os nossos próprios pés. Há muitas outras coisas onde se pode cortar.

Devíamos também apoiar mais o ensino, porque estamos, neste momento, a pagar um ensino aos alunos até uma certa idade, que depois vão lá para fora, ou seja o país está a formar para outros países! É uma situação que não faz sentido absolutamente nenhum.

Devíamos apostar mais nos portugueses - é o tendão de Aquiles que eu sinto. Cada vez há mais qualidade, imensas demonstrações de qualidade a todos os níveis e, neste caso, a revista Da Capo é um exemplo disso, vê-se imensas pessoas lá fora a triunfar… Não estão a triunfar aqui porque não há oportunidades!

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