Sandra Bastos
Da Capo (DC) - O que te fez apaixonar pela viola?
Jano Lisboa (JL) - Não posso dizer que sou um apaixonado da viola. A minha paixão é pela música e pelo som. A viola é um dos meus meios de comunicação e criação musical e sonora.
DC - Que critérios estiveram na base das escolhas que fizeste, escolas, professores, etc?
JL - As minhas escolhas a nível de escolas e professores nunca foram muito bem fundamentadas. Estudei em Viana porque vivia na mesma cidade. Tive sorte em ter um bom professor que me acompanhou durante os meus primeiros seis anos de estudo.
Depois fui para Lisboa porque um amigo me disse que o Paul Wakabayashi seria um bom professor para mim e porque queria continuar a fazer música de câmara com ele.
Depois fui para Boston porque gostava do som da Kim Kashkashian e sempre gostei da ideia de estudar/viver nos EUA. Por sorte todos estes passos foram os certos e frutíferos. Nunca tinha tido qualquer contacto com qualquer um dos meus professores antes de começar a estudar com eles…
DC - Foste premiado em vários concursos. Que importância tiveram os concursos para a tua carreira?
JL - Infelizmente não fiz todos os concursos que queria ter feito uma vez que quando me senti preparado para alguns deles ou já era tarde de mais ou, no caso do concurso ARD, o concurso de viola foi adiado um ano (se não me engano) e sendo assim já estava acima do limite de idade.
Mas felizmente os concursos não têm que ser necessariamente o principal impulsionador da nossa carreira. Com trabalho e disciplina conseguimos o que quisermos.
Os concursos que fiz foram óptimos para me obrigar a desenvolver como instrumentista e músico. Aprendi muito com essas experiências.
DC - Quais os momentos mais marcantes da tua carreira?
JL - Os dois anos de estudo em Boston foram muito importantes para mim. Foi incrível estar rodeado de tantos colegas de nível tão alto e respirar aquele ar universitário repleto de informação e inspiração! Foi em Boston que, pela primeira vez, tive acesso à realidade do mundo musical no qual vivemos. Antes não fazia ideia.
Portugal é pequeno demais. E entre 1994-2004 a internet ainda não estava tão recheada e acessível para mim como está para os jovens músicos hoje. Subitamente vi-me rodeado por uma multidão de nações fazendo música e discutindo ideias num espírito unânime… Quando cheguei a Boston não era o Jano Lisboa, era só mais um jovem de instrumento na mão à procura das ferramentas necessárias para desenvolver o meu som, a minha música.
Todos os momentos que atingi e venci foram, de alguma forma, marcantes, mas aqueles que considero realmente importantes podem suceder a qualquer momento, antes de dormir, a almoçar, a ver um filme… são aqueles momentos em que algo que se vem construindo na minha mente finalmente encaixa a última peça e em um micro segundo algo se ilumina lá dentro desbloqueando mais uma ferramenta para atingir o próximo nível.
DC - Quais os colegas que te marcaram mais? Podes contar alguma pequena história com algum deles?
JL - Fiz durante muitos anos música de câmara com o Marco Pereira. Ele foi o meu primeiro parceiro nesta vertente da música. Sempre tivemos uma ligação especial quando fazemos música juntos. Mesmo fora do ambiente musical existe algo que de certa forma nos mantém próximos, mesmo sendo ambos bastante diferentes, mas com um enorme respeito um pelo outro. Estou seguro que voltaremos a tocar juntos.
Teria várias histórias para contar mas estou com dificuldade em escolher uma… Basta dizer que num concerto de quarteto em Espanha, eu esqueci-me da minha música e ele deu-me a dele e tocou o quarteto de Mozart de memória!
O Paul Wakabayashi foi meu professor mas tornou-se num dos meus maiores amigos. Tive acesso a muitos “grandes” da música de câmara mas continuarei a dizer que o Paul é tão grande como alguns e maior que outros.
DC - Quais as renúncias que tiveste de fazer para te entregares à música? Tiveste de abdicar da vida pessoal? E as compensações?
JL - Penso que não fiz mais ou menos sacrifícios que a maioria das pessoas que podem ter uma “vida normal”. A vida pessoal é a nossa vida e há sempre ganhos e perdas. Não se pode ter tudo e trabalho todos os dias para aceitar essa realidade. Gostava de não ter que dormir de forma a fazer tudo aquilo que quero fazer… mas tento organizar o meu tempo e não pensar muito em coisas que não posso controlar.
Seria mais cómodo viver em Portugal mas existem coisas mais importantes para mim. Por isso agora tolero o cinzento, o frio, uma língua difícil e cozinho em casa uma vez que a gastronomia alemã é horrorosa!
Compensações? São raras a vezes em que pego na viola e faço música com pouca qualidade e arte. Estou todos os dias rodeado de músicos excelentes com os quais aprendo e partilho. Tenho agora um emprego para a vida (ou até quando desejar) sem que tenha que me preocupar demasiado com crises (espero que assim continue...). Tenho tempo para integrar outros projetos ou simplesmente disfrutar da vida.
DC - Ser chefe de naipe na Orquestra de Munique superou as tuas expectativas? Como é fazer música em Munique?
JL - Agora que passei o meu ano e meio de prova vou começar uma nova etapa na orquestra. Até aqui tinha que provar todos os dias de trabalho que merecia estar na orquestra e que era a pessoa qualificada para ser chefe de naipe de uma das melhores orquestras do mundo. Agora posso descomprimir um pouco e disfrutar mais.
O desafio é, agora, em conjunto com os meus colegas, transformar o ótimo naipe de violas que temos num excelente e ainda mais unificado. Estar numa orquestra como esta mudou muitas ideias que tinha acerca do trabalho e dos músicos de orquestra. Mas acredito que tenha muito a ver com a mentalidade dos membros e chefes das orquestras...
A forma como eu encaro fazer música em Munique tornou-se (ou talvez sempre tenha sido) a forma como encaro fazer música em qualquer lado: o melhor que possa e sempre sabendo que me preparei o melhor possível na presente fase da vida. Talvez em Munique a responsabilidade possa ser maior uma vez que tenho o cargo que tenho e que se algo não corre muito bem não me perdoaria a mim mesmo… mas tento sempre fazer o meu melhor e contentar-me com isso.
DC - Como organizas a sua vida, os seus tempos livres, a sua preparação técnica, os ensaios, as viagens?
JL - Telemóvel, Tablet, e faço um plano das obras que tenho que preparar em cada mês de forma a gerir o estudo e a preparação e não ter surpresas desagradáveis...
DC - Como lidas com a ansiedade, o stress em palco?
JL - Normalmente não penso nisso… Estou às vezes um pouco nervoso no início do primeiro ensaio mas normalmente volto à normalidade passados uns minutos.
DC - Estudaste em Portugal, Estados Unidos e Espanha. Quais as principais diferenças a nível de ensino destes países?
JL - Neste momento não sei como é o nível de ensino em Portugal por isso não posso comentar. Mas sugiro sempre sairmos do país onde nascemos para estudar, trabalhar de forma a podermos perceber e aceitar mais toda a diversidade que nos rodeia. Só eu sei quem eu era até sair de Portugal e quem sou hoje.
DC - O que achas que mudou no panorama da música erudita em Portugal?
JL - Não sei o que terá mudado uma vez que não tenho muitos concertos em Portugal mas sei que há sempre uma vontade de muitos músicos em aumentar e evoluir a atividade musical do país mas pouca vontade da parte do Governo devido à falta de cultura e visão dos políticos portugueses.
DC - Que soluções sugeres para os problemas que afetam a música portuguesa?
JL - Sinceramente não sei...
DC - Como vês a nova geração de músicos portugueses? Que conselhos lhes podes deixar?
JL - A nova geração de músicos portugueses que conheço são aqueles que tocaram nos últimos concertos da Orquestra XXI. E posso dizer que admiro a atitude e a dedicação. Não senti rivalidades, mas vontade em criar algo juntos e ter prazer no trabalho coletivo. Essa é a direção certa e talvez seja essa a solução para a questão anterior.
DC - Tens algum cuidado em divulgar/integrar no teu repertório música portuguesa?
JL - Neste momento ando a magicar algo para a viola do repertório na nossa música portuguesa. Mas mais não posso dizer.
DC - Se tivesse a oportunidade de integrar um projeto, o que farias/inovarias?
JL - Até agora as minhas prioridades foram passar o meu ano de prova. Agora talvez tenha um pouco mais tempo para pensar em projetos futuros.
DC - Para quando a gravação de um CD?
JL - Espero que para breve!