Sandra Bastos
Foi o primeiro português na Academia Herbert von Karajan e um dos que ainda se pode gabar de ter sido dirigido pelo mestre Claudio Abbado. Filipe Alves também colaborou com os German Brass e é, desde 2012, 1º Trombone Solista da Orquestra Filarmónica de Hamburgo e da Ópera Estatal de Hamburgo. Em Abril de 2015, venceu a audição para Trombone Solista da Staatskapelle Berlin.
Da Capo (DC) – Foste o primeiro português a entrar na Academia da Filarmónica de Berlim. Como foi essa experiência?
Filipe Alves (FA) - Em relação a ser o primeiro, para mim isso não tem importância. Até tenho pena de ser eu o primeiro porque isso é sinal que já chegamos tarde. Felizmente, entraram logo outros a seguir de mim.
Claro que tocar na Orquestra Filarmónica de Berlim é fantástico. Aquilo para mim era impensável. Foi brutal! O meu primeiro programa foi com o Abbado – ainda tive a sorte de trabalhar com ele. Não tinha muito para tocar, só toquei na primeira parte. Foi espetacular. Embora ele já estivesse fisicamente debilitado, as pessoas respeitavam-no muito.
Com o Claudio Abbado ainda cheguei a fazer um programa interessante. Ele falou para mim logo no primeiro ensaio, a dizer que eu podia tocar mais forte num pequeno solo que tinha.
DC – Para ti tocar ópera foi diferente?
FA - Primeiro, gosto muito de ópera, mas tenho de admitir que não gosto de todo o tipo de ópera. Claro que tocar dez vezes a mesma ópera numa temporada, torna-se repetitivo, isso é o que eu gosto menos numa orquestra de ópera.
Num teatro, os ensaios são diferentes, a orquestra tem de se sacrificar por causa da parte cénica, dos cantores. A planificação é muito diferente. Numa orquestra sinfónica, as semanas são sempre iguais, têm uma rotina definida, enquanto que na ópera a rotina difere muito de semana para semana, não há semanas iguais em termos de horários.
DC – Como músico, é muito diferente tocar em palco e no fosso?
FA - Claro que sim, numa orquestra sinfónica estou mais exposto, o importante é ouvir a orquestra, o que ela está a tocar, enquanto numa ópera, a orquestra passa para segundo plano, pelo menos para as pessoas que estão a ouvir, até se esquecem que estamos lá a tocar.
Uma falha pode passar despercebida mas acaba-se por ter outro tipo de dificuldades, como acompanhar um cantor. Também é incrível a quantidade de repertório que se toca numa ópera, já passei todo o tipo de programa, às vezes temos de montar uma ópera de Strauss só com dois ensaios. A ópera é um espetáculo muito mais completo, por isso acaba por ser enriquecedor.
Mas sinto falta de tocar programa sinfónico na minha orquestra, embora haja coisas que nós tocamos que são incríveis. Não posso esquecer que em Hamburgo temos um dos melhores ballets do mundo! Fazemos produções excelentes! Coisas que nunca conseguiria fazer numa orquestra sinfónica.
DC – Ganhaste a audição na Staatskapelle em Berlim. Foi uma opção tua querer mudar ou foi só para experimentar?
FA - Foi um bocado de tudo. A partir do momento em que tenho um trabalho por três anos, já estou familiarizado com os meus colegas, com a cidade, com tudo. Mesmo que queira mudar, não sei se me vou sentir bem nesse local, com essa mudança. Até posso dizer agora que quero ir para Berlim, mas não sei se daqui a alguns meses vou dizer a mesma coisa. Muita coisa pode acontecer. Tenho de experimentar. Por aquilo que conheço de Berlim, da orquestra, da temporada, dos maestros…
DC – Neste tipo de provas, como é que lidas com a ansiedade, com os nervos?
FA - Não lido muito bem. Sou capaz de estar duas noites sem dormir antes das provas, sobretudo na véspera. Fico preocupado, ansioso, quero estar logo a tocar. Quero descansar, dormir, mas não consigo, fico a pensar nos excertos que tenho de tocar, no que me vão pedir para tocar.
Se eu vou para uma prova, tenho de pensar que a vou ganhar, que estou em condições de a vencer. Se achar que não tenho condições, não vou. O objetivo máximo é o primeiro lugar e não o segundo. Faço muita pressão sobre mim mesmo.
DC – O que achas que mudou em Portugal para o crescente sucesso dos seus músicos a nível internacional?
FA - É um bocado como a moda. É preciso dois ou três começaram para depois toda a gente querer fazer o mesmo. Por exemplo, no Trombone, já temos o Gabriel Antão em Viena, o Francisco Couto em Helsínquia. Começam a haver resultados! Acredito que nós sirvamos de exemplo para outros se lançarem, arriscarem, lutarem por mais.
Eu algum dia, quando estava em Portugal, pensava em tocar com o Barenboim ou o Zubin Metha? Agora é uma coisa super normal para mim!
Com as redes sociais, a globalização, tudo se torna mais fácil também. Há 10 anos, quando estava na escola profissional a informação chegava mas não como agora, isso acaba por ser estimulante.
DC – Na mesma altura em que ganhaste o lugar em Hamburgo, também ganhaste na Gulbenkian em Lisboa. O que te levou a optar por Hamburgo?
FA - Por aquilo que agora tenho, por exemplo, por ter a oportunidade de trabalhar com um grupo fantástico como o German Brass, pelas tournées, pela convivência com músicos incríveis… Por mais que eu pudesse ter essas oportunidades na Gulbenkian, seria hipócrita da minha parte dizer que ia ser igual. É impossível porque as coisas não chegam a Portugal da mesma maneira do que chegam aqui. No centro da Europa é tudo muito perto, ao contrário de Portugal que está mais isolado. Aqui é um campeonato diferente.
Há mais oportunidades e o nível musical é diferente. É uma questão profissional. E ainda há questão do próprio país, falta muita coisa, faltam projetos, concertos.
DC – O que é preciso mudar em Portugal?
FA - Tudo precisa de investimento. A Alemanha, Suíça, Inglaterra são países com outros recursos económicos. De qualquer das formas, podia haver mais investimento em Portugal, podia-se arriscar mais. E os investimentos que se fazem nem sempre são bem aplicados, às vezes gasta-se muito em coisas que não têm qualidade, valor.
É uma questão de mentalidade - afinal o que é mais importante? É uma questão delicada porque não temos a tradição musical erudita que existe no centro da Europa. Aqui a rotina é ir ver um concerto, em Portugal a rotina é ir ver um jogo de futebol.
DC – Achas que não há a noção do que está a acontecer com a avalanche de músicos portugueses com sucesso internacional?
FA - Não, não têm essa noção. A comunicação social ignora completamente. Fala-se apenas nas redes sociais, entre colegas. É inédito termos um português a tocar na Filarmónica de Berlim como o Abel Pereira, que agora está em Washington; os portugueses que estão na Ópera de Zurique; a Adriana Ferreira na Orquestra Nacional de França, etc, etc. Como é possível não haver ninguém que divulgue isto nos meios de comunicação social? Pelo menos na RTP, que é pública!