Em Orquestra - Paulo Guerreiro

“é uma vida nada monótona, sempre muito aliciante e cativante”

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Sandra Bastos

  • Paulo Guerreiro
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O mote da nossa entrevista é como um músico vive dentro de uma orquestra, por isso, os 32 anos de Paulo Guerreiro na Orquestra Sinfónica Portuguesa, como trompista e chefe de naipe, fazem dele um especialista no assunto, pelo menos, para nós, enquanto público entusiasta. “Foram vários os momentos a solo com a Orquestra a fazer concertos de Mozart, Haydn, Leopold Mozart, Eurico Carrapatoso, Britten, etc, embora todos eles importantes os momentos mais marcantes foram a tocar por várias vezes a 5.ª Sinfonia de Mahler com maestros como Marko Letonja e Joana Carneiro no CCB, ou óperas de Wagner onde os maestros no final me pediram para subir ao palco com eles no caso de Siegfried ou o Crepúsculo dos Deuses respetivamente com Marko Letonja e Emilio Pomarico”, recorda. 

 

Destaca ainda o reconhecimento de um episódio “com um maestro russo” após 10ª Sinfonia de Shostakovich: “sai do seu sítio e vem buscar-me ao lugar e me leva à frente de toda a orquestra para receber os aplausos do público”.

 

 

os maiores desafios de ser trompista numa orquestra sinfónica

 

“O maior desafio sem dúvida alguma é a constante boa forma que é exigida a um primeiro trompa”

“O maior desafio sem dúvida alguma é a constante boa forma que é exigida a um primeiro trompa, Philip Farkas , trompista e grande pedagogo americano dizia que, “um dia sem tocar eu noto, dois dias sem tocar os colegas de naipe notam, três dias sem tocar toda a gente nota”. Esta sempre foi e é a minha máxima: se há trabalho não há descanso - o descanso é apenas para os primeiros 15 dias dos 30 de férias que anualmente temos, porque os restantes 15 já são para começar a estudar. Este é o maior desafio se não quisermos fazer mau trabalho”, sublinha.

Há ainda outros desafios como “a versatilidade, obter conhecimento em todas as áreas da música, conhecer cada período e cada compositor por forma a interpretar corretamente o estilo de cada obra”.

 

 

o dia a dia de um músico numa orquestra sinfónica

 

“é uma vida nada monótona, sempre muito aliciante e cativante”

“O dia a dia é sempre cativante, temos a felicidade de fazer uma coisa de que gostamos, há sempre coisas novas a acontecer, até pode ser com uma obra que já tocámos várias vezes, mas se mudar o maestro já há novidades, então é uma vida nada monótona, sempre muito aliciante e cativante”, afirma.

“O mais difícil é a obrigatoriedade de estar sempre ao mais alto nível, somos “atletas de alta competição”, e não podemos nunca facilitar, dias de folga após concertos, são dias para estudar para próximo programa e manter a boa forma”, acrescenta.

Os resultados chegam e os aplausos compensam o esforço: “a satisfação de um bom trabalho e isto é a recompensa de que todo o sacrifício feito valeu a pena. No mesmo sentido, a relação especial com a música: “a diversidade de sentimentos que a música nos proporciona e a gratificação de darmos aos outros através dos sons a possibilidade de partilha e comunhão desses mesmos sentimentos.”

 

 

Uma memória: digressão da OSP a Itália

 Há sem dúvida muitos concertos que me ficaram na memória e se fosse aqui reportar algum dos concertos em que fui solista estaria a cometer alguma “injustiça” com tantos outros, assim vou falar de uma digressão da OSP a Itália com o seu maestro titular da altura, o Maestro Húngaro Zoltan Pesko. Fizemos a ópera Ariadne auf Naxos de Richard Strauss. Foi um mês de digressão onde nos apresentámos em várias salas em Itália sempre com um sucesso estrondoso.

 

 

qualidades essenciais para um músico sobreviver e crescer numa orquestra

 

“ser bom ouvinte, ouvir muita música, ir a bastantes concertos, conhecer de tudo”

“Capacidade de trabalho ser bom ouvinte, ouvir muita música, ir a bastantes concertos, conhecer de tudo, porque aprendemos com tudo. Ter bem presente que ouvir música é estar de mente aberta, não querer ir a um concerto ao vivo e estar atento a falhas que não existem em gravações - infelizmente há muito disso nos ouvintes. Ir sempre preparado, conhecendo as obras a interpretar, desligar-se das redes sociais durante os momentos de ensaios (infelizmente coisa difícil entre alguns profissionais hoje em dia), participar ao máximo em atividades extra orquestra”, aconselha.

 

 

obras em que a trompa tem um papel gratificante

 

“os compositores foram sempre muito generosos e deram-nos sempre muito trabalho”

“A trompa é sempre um instrumento muito em evidência na orquestra e dado a sua especificidade sonora e “multifunção” muito acarinhada pelos compositores ao longo dos séculos, é importante ver que num quinteto de metais há trompa, num quinteto clássico há trompa, mais nenhum outro instrumento tem esta dupla função”, explica.  E acrescenta: “a trompa toca FF com os metais ou um pp com clarinete ou cordas, sons como bouché também são apenas nossos, etc - os compositores foram sempre muito generosos e deram-nos sempre muito trabalho”.

Dá alguns exemplos: “Strauss, Mahler, Bruckner, Wagner,  Mozart, e tantos mais, mas vou buscar uma sinfonia que toquei várias vezes e que tem um andamento com parte de “Trompa Obligato” e que evidencia de forma maravilhosa a trompa, a 5.ª Sinfonia de Mahler.”

 

 

a comunicação dentro do naipe

 

“o líder também precisa saber ouvir os restantes membros”

“Não creio que seja uma linguagem diferente da de qualquer naipe da orquestra - precisamos respeitar o líder, segui-lo, pois em primeira e última instância será dele a responsabilidade da maneira como o naipe soa e será ao líder que o maestro irá pedir satisfação se algo não correr bem, pelo menos esta é a minha postura e a que transmito para os meus colegas”, diz. Naturalmente, “o líder também precisa saber ouvir os restantes membros, mas se funcionarmos todos com respeito a vida está facilitada para todos”.

 

 

momentos de frustração ou dificuldades na profissão

 

“A palavra desistir não pode fazer parte deste percurso, há que saber perceber o que correu menos bem”

“Se em 42 anos de carreira não tivesse tido momentos desses com toda a certeza não teria conseguido chegar onde cheguei. A frustração, a dificuldade incute-nos a tudo fazer para podermos ultrapassar o que seja necessário, como em tudo na vida!”, afirma.

“A palavra desistir não pode fazer parte deste percurso, há que saber perceber o que correu menos bem, o que devemos fazer para conseguir ultrapassar e meter mãos ao trabalho para levarmos para a frente o que tanto amamos fazer, e faço questão de trabalhar isso com os meus alunos, felizmente com imenso sucesso”, destaca.

 

 

mudanças no meio orquestral português

 

“há sempre ideias e projetos novos e é com muita satisfação que vou vendo que eles vão aparecendo no nosso País com relativo sucesso”

“Tenho, com agrado, visto o aparecimento de novas orquestras ao longo dos anos, embora devesse haver mais apoio e iniciativa da parte de mecenas para que houvesse uma maior solidez das mesmas”.

“Há sempre espaço para inovação e mudança, a arte está, tal como o mundo, em constante mudança, há sempre ideias e projetos novos e é com muita satisfação que vou vendo que eles vão aparecendo no nosso País com relativo sucesso”, acrescenta.

 

 

conselhos aos jovens músicos que sonham tocar numa orquestra

 

“se estivermos a fazer a coisa certa é garantido que o nosso momento chegará mais cedo ou mais tarde”

“Diria que estudem bastante e que se preparem sempre bem, que não desistam ao primeiro revés num concurso, porque se estivermos a fazer a coisa certa é garantido que o nosso momento chegará mais cedo ou mais tarde.

Diria ainda que a nossa profissão é uma paixão e que, como o amor, é preciso cuidar sempre. Pela minha experiência sinto que não é difícil lá chegar, mas é difícil nos mantermos, assim a chave é trabalho contínuo e sério!”, aconselha.

 

 

Se tivesse de descrever, em poucas palavras, o que mais o emociona em tocar numa orquestra, o que diria?

 

“Gratidão pela tarefa que desempenho!”

 

 

a descoberta da Trompa

 

“são mais fáceis de arranjar trompetes que trompas”

Paulo Guerreiro conheceu a trompa aos 18 anos, em julho de 1983, na Guarda Nacional Republicana. Poucos meses depois, em janeiro de 1984, ingressou na Banda Sinfónica da GNR e, em maio desse ano, o Major Idílio Fernandes perguntou-lhe se ele queria trocar a trompete pela trompa, tendo em conta que “muitos trompistas se estavam a reformar e havia necessidade de preencher o naipe”.

O jovem Paulo questionou um colega conterrâneo e a resposta foi: “numa orquestra, trompetes, são precisos dois ou quatro; e trompas, quatro ou seis, e são mais fáceis de arranjar trompetes que trompas, agora a decisão é tua”. Diria que a decisão não terá sido difícil e depressa Paulo Guerreiro estava no gabinete do Major Idílio a comunicar a mudança.

Mas os tempos que seguiram não foram fáceis: “vinha do Algarve (Loulé) e esse instrumento na altura (1984) não havia lá e não tive outra formação que não fosse na Banda Municipal do Barreiro e em Loulé, na Filarmónica Artistas de Minerva, em trompete”. Restou-lhe o enorme desafio de estudar sozinho:  “acordava todos os dias às 5h30 da manhã para chegar duas horas antes do ensaio da banda começar e estudar/conhecer este novo instrumento, até que ingressei no Conservatório de Música de Lisboa na classe do professor António Costa, em setembro de 1984”.

Apenas três depois, em 1987, concorreu (e ganhou!) ao lugar de solista B da Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos.  

“Em 1990, já com três anos de profissional na Orquestra do TNSC e de ter passado por todas as orquestras de jovens a nível nacional sempre através de concurso e também a nível internacional na Orquestra de Jovens da Comunidade Europeia, fui o primeiro aluno em regime livre da nova licenciatura em trompa da Escola Superior de Música de Lisboa na classe do professor Jonathan Luxton. Aqui há toda uma nova maneira de trabalhar e aplicar novos conteúdos, comecei a trabalhar com a Orquestra Gulbenkian e a crescer imenso profissionalmente alargando horizontes e conhecendo mais do exterior”, sublinha.

O caminho de aprendizagem de Paulo Guerreiro em nada se assemelha ao que fazem hoje os seus alunos. Num tempo em que não havia Internet e as comunicações eram bem mais rudimentares do que as que temos hoje, aprendeu com quem estava perto, como os colegas da Banda da GNR.

Porém, há uma figura que se destaca - o professor António Costa, fundamental para o seu crescimento como trompista: “foi uma referência porque ele estudava imenso e eu assistia a muitas dessas sessões de estudo, porque ele era também elemento da Banda, além de trompista na Orquestra Sinfónica da RDP e professor do Conservatório, guiando-me sempre de forma firme e traçando objetivos bem definidos.”

 

 

O professor Paulo Guerreiro

 

“um professor bastante “chato”, muito meticuloso e exigente”.

Hoje, como professor de Trompa na ESART (Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco) e na ESML (Escola Superior de Música de Lisboa”, Paulo Guerreiro define-se como “um professor bastante “chato”, muito meticuloso e exigente”. Porque “a postura de um músico de orquestra não deve nunca ser facilitada, somos privilegiados pelo que fazemos, não podemos banalizar”, como no primeiro ensaio, que tem de ser encarado como se fosse o ensaio geral – “é condição de que não abdico nunca de passar para os alunos”.

 Claro que “há sempre questões a melhorar nos ensaios”, mas podem ser da responsabilidade do maestro, das especificidades das obras e dos compositores, mas um músico tem de estar preparado sempre ao melhor nível: “isto é uma coisa que lhes incuto”.

O mesmo se aplica ao estudo da Trompa, mas sem fundamentalismos: “nunca deixei um aluno sem aula pelo facto de ele me dizer que não conseguiu estudar, aceito que aconteça, porque nem sempre as coisas correm como desejamos, mas não o mando embora para estudar, sento-me com ele e arranjo sempre algo para fazer”.

 Não só de valores técnicos e artísticos se constrói um músico: “Insisto que uma boa relação com os colegas de trabalho é essencial, o trabalho em equipa é indispensável, saber ouvir o que cada um faz e ir sempre preparado conhecendo bem as obras a interpretar”.

 

 

Orquestra Barroca Divino Sospiro

“A minha participação na Orquestra Barroca Divino Sospiro (DS) começou desde o início desta orquestra pela iniciativa do meu querido amigo Massimo Mazzeo e com o violinista Enrico Onofri, a minha abordagem à linguagem/ interpretação da música antiga era muito limitada bem como o conhecimento da trompa natural, fui crescendo ao ouvir os peritos na área, a absorver e perceber a sua maneira de interpretar o barroco ou o clássico e crescendo no seu seio”, conta.

Teve “o grato prazer” tocar a solo o Concerto n.º 3 de Mozart, no Grande Auditório do CCD nos Dias da Música: “este é sem dúvida um outro momento muito alto da minha carreira, a que se seguiram depois outros concertos a solo em Itália e Portugal com a DS, além de ter o grande prazer de ter imensas gravações também com a orquestra”.

 

 

Orchestrutópica e Quinteto Flamen

“O Quinteto Flamen foi um daqueles grupos que fez de tudo o que havia para fazer para repertório de quinteto e até formações mais alargadas de octetos de sopros, com várias gravações para a RTP, vários concertos e masterclasses, apresentações no estrangeiro em importantes festivais, (ex: Macau, Itália) e isso claro que nos traz uma bagagem de conhecimento que é única”.

“A Orchestrutópica foi também daqueles projetos únicos em que fazemos música contemporânea, muita dela escrita para nós, fazemos estreias absolutas a nível mundial, ficando para a história a primeira vez que alguém tocou aquela obra e que me pôs em contacto com imensos compositores em que fazíamos muitas vezes a “discussão” da interpretação, da possibilidade ou não da execução de determinada coisa escrita, e em que fazemos parte da história também de uma obra, fizemos coisas absolutamente geniais. Sei que não estou a exagerar, porque recorrentemente falamos disso e já há uns anos que o grupo não existe.”

 “Além da amizade e camaradagem dos colegas músicos nestes dois grupos mencionados, há também compositores com que mantenho uma amizade por todo o trabalho feito: António Pinho Vargas, Luís Tinoco, Carlos Caires, o maestro Cesário Costa, José Júlio Lopes. A Orchestrutópica em Portugal e no estrangeiro fez coisas incríveis e foi uma pena o seu fim, sem dúvida um grupo de colegas muito especial.”

 

 

O futuro de Paulo Guerreiro

“Honestamente estou num ponto em que já me encontro mais a pensar em descansar do que em realizar novos projetos”, confessa.

“Gostaria muito de continuar por mais cinco anos a tocar em orquestra reduzindo a exposição como líder e ficar, depois, apenas com a trompa natural que me dá imenso gozo”, afirma.

E um desejo do regresso da Orchestrutópica: “uma única coisa que me faria mudar o que descrevi anteriormente seria fazer música contemporânea com a Orchestrutópica e os mesmos colegas e amigos”.

 

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