Pedro Carneiro

“É muito difícil fazer apenas um concerto e ser julgado por isso”

 — 

Sandra Bastos

  • Pedro Carneiro
  • Pedro Carneiro
  • Pedro Carneiro
  • Pedro Carneiro
  • Pedro Carneiro
  • Pedro Carneiro
  • Pedro Carneiro

A estreia da peça Shing Kham levou Pedro Carneiro a actuar pela primeira vez com a Orquestra de Los Angeles, no Walt Disney Concert Hall, em Outubro passado, sob a honrosa direcção de Gustavo Dudamel. A estreia mundial da peça que lhe foi dedicada por Peter Lieberson só não foi completamente feliz, dada a morte do compositor norte-americano em Abril de 2011, que faleceu durante a composição da obra.


A Da Capo falou com Pedro Carneiro antes da viagem à Califórnia, ficando a conhecer as motivações e os projectos que movem a sua vida como percussionista, maestro e compositor.


“[Peter Lieberson] era um compositor muito apreciado, tanto pelo maestro [Dudamel] como por mim. Trabalhei neste projecto durante sete anos, vai ser um momento bonito mas triste ao mesmo tempo. O Peter era budista, acredito que ele está noutra viagem, noutra vida, vamos dar um salto para perto da presença dele, naquele concerto.


Nas últimas semanas de vida fui ter com ele a Israel, ele já estava muito doente, partilhámos umas coisas muito bonitas sobre a peça. Eu tive de colaborar na manufactura desta partitura porque alguns detalhes de instrumentação só eu sabia o que eram. Vai ser um momento especial…”

 


 “A percussão precisa de repertório para se afirmar”

 

 

 

Continua a ser preferido para estrear as novas obras dos compositores?

Não há preferência nenhuma. A maior parte das vezes a culpa é minha, sou eu que peço. A percussão é um instrumento que precisa de repertório para se afirmar, de desafios, por isso inventei agora uma marimba que tem um pedal abafador; estou trabalhar com vários compositores para escrever pequenos estudos e estou também a trabalhar numa série de protótipos de baquetas, de coisas, portanto ando sempre cheio de projectos.
 


E em Portugal?

Se eu não trabalhar com a OCP, que tanto amo, não tenho actividade profissional enquanto intérprete ou como chefe de orquestra. Eu tenho de trabalhar fora para poder subsidiar o trabalho que faço com a OCP.


 
Tem alguma explicação para isso acontecer?

Não sei se tenho explicação. Acho que as orquestras que têm dinheiro a sério em Portugal, nas quais eu incluo as orquestras regionais que têm dinheiro para poder pagar salários e contratos, fazem a sua programação. Ou entramos no supermercado internacional da música e continuamos a fazer parceria com agências londrinas e nova-iorquinas que mandam no mundo da música – então aí é uma escolha que vamos continuar a querer fazer parte - mas nós na realidade não fazemos parte. Nós não fazemos parte porque não temos dinheiro!


O nosso maior defeito é a nossa maior virtude – nós estamos no início da Europa e não no fim! A Europa começa aqui! Nós temos a obrigação de apostar no mercado interno. Há, pelo menos, uma boa dezena de músicos da minha geração e mais jovens que têm qualidade para tocar em qualquer orquestra e de qualquer nível.


É muito difícil fazer apenas um concerto e ser julgado por isso. As pessoas (músicos) precisam de palco, de horas de voo, estou a citar o dr. António Mega Ferreira que usava muito esta expressão, para poderem ter experiência. Fico feliz de ver já alguma mudança, como é o caso do maestro Pedro Neves a trabalhar com a Orquestra Gulbenkian, o maestro Rui Pinheiro e outros jovens chefes de orquestras que começam aos poucos a entrar nesse mercado. É-lhes confiada uma tarefa para a qual eles estão perfeitamente mais do que competentes para fazer!


Eu vejo alguma mudança...
 


É mais solicitado para dirigir lá fora?
Obviamente! Tenho que continuar a fazer a minha actividade cada vez mais lá fora de modo a poder continuar aqui. Eu estou aqui disponível e poderia ser, eventualmente, mais utilizado, mas nunca houve grande abertura para colaborações mais consequentes.

 


 
“há muita gestão cultural que é feita de ânimo leve”

 


 
O que é preciso mudar?

Nós não podemos mudar as coisas de um dia para o outro. A música é uma coisa tão cara, acho que há muita gestão cultural que é feita de ânimo leve porque infelizmente há muita gente que faz gestão cultural sem experiência de palco, sem a mecânica e por muito que seja possível de um ponto de vista conceptual fazer esse trabalho, há um lado muito prático que também envolve reflexão e é igualmente filosófico.


Na Finlândia, se há um chefe de orquestra que adoece e há uma substituição de última hora a preferência é sempre para um jovem finlandês. Os finlandeses conseguiram em pouco tempo exportar chefes de orquestra, compositores….


 
Com a crise as orquestras portuguesas tendem a apostar mais em maestros portugueses por serem mais baratos?

Isso seria imensamente obsceno se assim fosse. Eu não quero acreditar nisso. Recuso-me a acreditar nisso!

 


 
“Quando estamos a dar aulas estamos sempre a receber”

 


O que gosta mais de fazer como músico: tocar, dirigir ou compor?

Tudo! Eu tenho uma curiosidade horrorosa sobre tudo, sobre todos os instrumentos. Sou filho de um músico de orquestra por isso a orquestra é o meu primeiro instrumento.
 


É professor na ESML. Gosta de dar aulas?

Gosto, é o máximo! Quando estamos a dar aulas estamos sempre a receber porque somos obrigados a pensar na resolução de problemas. A parte frustrante de dar aulas é que nos consome muito tempo mas também nos obriga a fazer uma reflexão filosófica. O que é difícil a dar aulas é conseguirmos não perder tempo mas ganhar tempo!


 
Consegue ter tempos livres?

Não. Basicamente estou sempre a trabalhar. Depois tenho duas filhas, a minha família. No fundo, descansamos a trabalhar.


Às vezes, a parte mais tranquila do meu dia-a-dia é tocar concertos porque é uma hora em que ninguém me telefona, não tenho de resolver nenhum problema, é um privilégio! É um momento de tranquilidade que tem de ser saboreado e como diz o grande Daniel Barenboim, a coisa extraordinária da música é que nós temos sempre a hipótese de voltar no dia seguinte e fazer melhor.

 

 

Pedro Carneiro

Na sua tripla actividade de instrumentista, chefe de orquestra e compositor, Pedro Carneiro tem vindo a cativar plateias por toda a Europa, Estados Unidos, Ásia e Austrália.


Estudou piano, violoncelo e trompete, desde os cinco anos de idade. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian na Guildhall School of Music and Drama  [External Link] , onde concluiu a licenciatura em percussão e direcção de orquestra com a distinção «Head of Department Award». Seguiu também os cursos de direcção de orquestra de Emilio Pomàrico, na Accademia Internazionale della Musica, em Milão.

 

Aclamado internacionalmente como um dos mais importantes percussionistas da actualidade, tocou, em estreia absoluta, perto de uma centena obras e apresenta-se regularmente como solista convidado de algumas das mais prestigiadas orquestras internacionais como a Filarmónica de Los Angeles, a Sinfónica de Seattle, a Filarmónica de Helsínquia, a Sinfónica da Islândia, a English Chamber Orchestra, a Orquestra de Câmara de Viena, a Sinfónica do Estado de São Paulo ou a Sinfónica da Rádio de Leipzig.

 

Alguns dos seus trabalhos discográficos foram distinguidos com prémios, em particular a sua monografia de Iannis Xenakis gravada em 2004, considerada pela imprensa internacional como uma gravação de referência.

 

É co-fundador, director artístico e maestro titular da Orquestra de Câmara Portuguesa, que dirigiu no City of London Festival, no Reino Unido, em 2010.

 

Artigos sugeridos